As discussões abertas por Olivier Assayas são amplas e necessárias quando falamos do trabalho artístico. O mais incrível aqui é a maneira que o diretor e roteirista escolheu discuti-las, pois, com um texto impecável, ele consegue dar profundidade e fazer de Acima das Nuvens um filme obrigatório a qualquer pessoa que se permita refletir sobre a expressão contida em qualquer peça de arte.
A protagonista é uma atriz no auge da carreira, Maria Enders (Juliette Binoche), que a caminho de uma premiação que seria dada ao escritor que alavancou sua carreira vinte anos antes, recebe a notícia que este homem morreu e então os planos de viagem mudam repentinamente. Ela então é convidada pelo diretor Klaus (Lars Eidinger) a trabalhar na mesma peça que a consagrou no passado, mas agora no papel de outra personagem, naturalmente mais velha. Isolada na casa deixada pela viúva, Maria Enders recebe o apoio de sua competente assessora Valentine (Kristen Stewart) durante um longo período de ensaios e então conhece a atriz que interpretará a personagem mais jovem, aquele papel que fizera anos antes, a inconsequente Jo-Ann Ellis (Chloë Grace Moretz), já envolvida em escândalos que alimenta uma mídia sensacionalista e irresponsável.
Acima das Nuvens é, sobretudo, uma produção belíssima que aproveita cada plano aberto nos Alpes Suíços (na Sils Maria) onde se desenvolverá todo o segundo ato. Não por acaso, Assayas começa o filme com planos muito fechados nas duas personagens principais e cria uma tensão com a câmera sempre em movimento até o momento que recebemos a notícia da morte do escritor (aliás, note a mudança na fotografia nesse momento com uma simples virada de 180° de Valentine). O diretor então começa abrir os planos à medida que entendemos a relação de Maria e Valentine, acentuando os momentos em que ambas recuam de um possível relacionamento sempre com um fade out. Mérito de Yorick Le Saux pela belíssima cinematografia.
A sexualidade é o tema mais recorrente no filme de Assayas, que trata com um respeito ímpar ao deixar crescer nas personagens um sentimento sincero e sem apelar para qualquer clichê do gênero. A personagem Maria Enders é construída com cuidado, desde a frágil atriz de vinte anos que se permitiu ser seduzida por um sujeito grosseiro até a experiente mulher de quarenta anos que se redescobre após passar por uma tumultuada separação. Já Valentine é uma personagem que coloca sua carreira em primeiro lugar e nunca temos certeza se seu comprometimento tem origem também em algum sentimento recolhido que sente por Enders.
Além da própria sexualidade, Maria enfrenta um dilema com o qual não sabe lidar. Em crise por conta da sua idade, a atriz sente o peso e os efeitos do tempo no seu aspecto físico, mas ainda se sente eternizada no mesmo papel que interpretara no começo da carreira. Tudo isso faz com que hesite aceitar o outro papel e a leva a constantes questionamentos sobre a vida e a carreira – uma interpretação memorável de Binoche, que parece fazer questão de mostrar todos esses efeitos que, pra mim, deixaram-na ainda mais linda.
Dito isso, o roteiro brilhante de Assayas mistura o texto que as duas mulheres ensaiam com a realidade que vivem. Assim, seria absolutamente natural se ambas dissessem de verdade os diálogos que ensaiam, o que torna o filme adorável, como se tentasse flertar com aquela pergunta se a vida imita a arte ou a arte imita a vida.
E a perfeita construção da personagem de Binoche cria ainda um enorme contraste com a nova geração de atrizes personificada na figura de Moretz. Ainda assim, Assayas insere uma imaturidade calculada na pele de Ellis que, como se percebe rapidamente, sabe exatamente o que faz para conseguir ser uma celebridade cultuada – ao contrário de Enders. O diretor ainda guarda uma reflexão interessante sobre a escolha dos atores para papéis que supostamente não exigem tanto talento e com isso fecha outra discussão aberta sobre temas e gêneros.
Com o título original de Clouds of Sils Maria, o filme guarda uma metáfora sobre o evento natural que ocorre com as nuvens que percorrem o rio entre as montanhas como uma serpente silenciosa e onipresente. Não por acaso, a serpente se tornara uma obsessão do escritor morto logo no começo do filme. É como se aquele fenômeno mostrasse à Maria Enders toda sua fragilidade. Afinal, as nuvens de Sils Maria resistiam ao tempo. Ela não. Mas ela tinha Valentine.
5 Comments
ola, quando vai estrear o filme?
Julie, foi exibido na Mostra SP. Estreia só em janeiro/2015. 🙁
Olá! Admiro muito a Kristen e estou louca pra assistir esse filme. Sou de SP e não achei nenhum cinema que vá estrear. Você sabe de algum?
Oi Bianca. O filme entrará em circuito nacional no dia 8 de janeiro.
qual outro do assayas, gostas?