No primeiro plano de À Procura, o diretor Atom Egoyan consegue transmitir o que deve ser o sentimento de pais que procuram pelo filho perdido ou sequestrado. Ele movimenta a câmera para a esquerda e completa um giro de 360° em um ambiente desolado, coberto de neve, um espaço aberto que não deixa pistas de onde começar uma busca. Em filme com muito mais acertos do que erros até o fraco desfecho, Egoyan consegue esmagar o espectador com uma narrativa aberta sobre um dos temas mais terríveis que a humanidade combate sempre um passo atrás: pedofilia.
Ryan Reynolds interpreta com precisão o protagonista Matthew, que, por um breve descuido, tem a filha Cass (Alexia Fast quando adolescente e Peyton Kennedy quando criança) sequestrada por uma rede de criminosos que usa crianças para atrair pedófilos a uma comunidade virtual onde podem saciar suas fantasias nojentas com menores inocentes. Com problemas financeiros e um casamento não muito sólido com Tina (Mireille Enos), Matthew passa a ser o principal suspeito dos policiais Nicole (Rosario Dawson) e Jeffrey (Scott Speedman) de ter vendido a filha para honrar as contas. Ainda que os policiais tenham sucesso aqui e ali se infiltrando na rede para conseguir prender alguns sujeitos, o antagonista Mika (Kevin Durand, impecável em todos os momentos) é uma pessoa fora de suspeita por pertencer a uma alta sociedade hipócrita o suficiente para ignorar as ameaças interna.
O roteiro é irregular a partir do terceiro ato quando decide dar soluções fáceis e rápidas para todas as subtramas que criou. Uma pena, pois durante os dois primeiros atos Egoyan e David Fraser (que assinam juntos o roteiro) conseguem estabelecer de forma orgânica duas linhas temporais com diferença de oito anos que, com uma montagem excepcional de Susan Shipton, nos passa a ideia de que nada mudou durante todo esse tempo. Mais do que isso, alternando entre passado e presente, só depois de um tempo é que entenderemos que tanto se passou – graças também ao bom trabalho de direção de arte ao espalhar elementos que deixam dicas para que consigamos nos orientar.
O desenho de som cumpre a função de conduzir o espectador ao terror psicológico construído pelo vilão, um sujeito recluso e acima de qualquer suspeita que não só usa suas vítimas para seu deleite, como também as transforma em comparsas para atrair mais crianças na rede. Um grande mérito do diretor na construção desse personagem é não mostrar nada do que sabemos que acontece com crianças. Sem apelar para imagens de abuso sexual, Egoyan trabalha apenas a sugestão da pedofilia, consciente de que só a possibilidade de isso existir é suficiente para estabelecer o clima de suspense. Com isso, encontra espaço para investir em outro terror doentio: um reality show onde mostra a seus clientes as reações da mãe da garota ao encontrar, oito anos depois, objetos que sugerem a presença da filha nos quartos de hotel onde trabalha.
Mas é aí que o filme patina (com o perdão do trocadilho em referência ao esporte explorado no filme). Ao estabelecer esse universo conspiratório com uma rede dotada de alta tecnologia onde qualquer um pode ser membro (exceto o pai, que contraditoriamente é o único suspeito), o diretor faz mal uso desses recursos, como ao colocar uma câmera em uma árvore onde não é possível chegar rede elétrica para alimentar o dispositivo, ao usar câmeras escondidas no hotel em lugares onde não veríamos a imagem que monitora e quando mostra um personagem ouvindo um diálogo após ter se desconectado do chat. São furos básicos do roteiro que ignora o aspecto tecnológico para conseguir mover a narrativa, o que sim, desestrutura a história já que as consequências não teriam sido possíveis sem esses truques mal executados.
Com um elenco comprometido e impecável, Reynolds tem uma de suas melhores interpretações da carreira, assim como Durand. À Procura vale pelas interpretações e pela construção de todo o suspense. É mesmo lamentável que não seja aproveitado dando consequências mais duras aos personagens. O roteiro insiste em solucionar o arco principal e soluciona as subtramas sem qualquer explicação plausível, apenas para fechar o filme de uma vez só. O diretor poderia, por exemplo, ter complicado as investigações inserindo outros membros da rede de pedofilia, como é sugerido o tempo inteiro com alguns personagens. É um longa que poderia ser grandioso, que poderia ser uma importante narrativa sobre pedofilia, mas que não tem a coragem suficiente de mostrar que as coisas podem piorar muito em um mundo criminoso onde sociopatas silenciosos estão sempre preparados para agir infiltrados em todos segmentos da sociedade. Diria que Egoyan começa uma história que poderia se comparar a Zodíaco, mas a termina como O Xangô de Baker Street.
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