Mais precisamente no Alto Paraíso, que tecnicamente está mais próximo do Divino…
Foi assim: simples e natural. Sem muitas considerações, planejamento ou pensamentos. Querendo estar lá apenas. Se sentindo merecedor deste privilégio; mesmo sabendo que os portais poderiam estar fechados ou quem sabe, ser barrado pelos guardiões desta reserva natural, consagrada aos espíritos mais evoluídos e elevados.
Da decisão abrupta, o fluxo de acontecimentos foi contínuo e natural, sem problemas e aparentemente guiado por espíritos da terra: reserva de passagens com horários convidativos, valores sedutores, previsão do tempo com céu de brigadeiro após semanas de intermináveis e contínuas chuvas. Apertei o botão de “start” e deixei o resto fluir…
Em um piscar de olhos estava desembarcando no pequeno aeroporto da capital federal. Respirei fundo. Lembrei-me dos momentos agradáveis com a família em fotos rápidas tiradas instantaneamente das inúmeras e empoeiradas gavetas da minha memória. Preparado para a aventura? Botas, protetor solar, repelente, bermudas e camisetas, chapéu emprestado do Indiana Jones (ou seria do Antonio Banderas?), óculos de sol do Tom Cruise, pinta de James Bond cearense…
Um garoto com cara de nerd me cutuca e pergunta em voz baixa: – Onde você comprou esta camiseta? Legal… Respondi que havia ganhado e acrescentei: – “Eat, sleep and play video” são coisas bem legais, certo? – As melhores! Abri um sorriso em resposta e desisti de dizer outras mais divertidas…O celular toca; minha carona cinco estrelas chegou!
A razão de minha viagem se materializou à minha frente com um largo sorriso. Emoção contida do reencontro e momentos depois estávamos nos perdendo pelo eixo monumental e pelas asas do distrito federal. Uma voz masculina perdida tagarelava sem parar tentando nos indicar o caminho mais acertado entrecortando as novidades de parte a parte. Um rápido passeio pelos principais cartões postais da cidade e já estávamos enfrentando os duzentos e trinta quilômetros que nos separavam do paraíso. O céu de um puro azul povoado por nuvens rosadas e púrpuras que flutuavam sem que percebêssemos os cordões que as sustentavam. Um horizonte vasto e longínquo se mesclava com as diversas tonalidades de verde recém-lavadas pelas últimas chuvas. Imediatamente todos os problemas da humanidade foram esquecidos! Sorriso no rosto, olhos fixos em uma sequência de cenários magníficos, o coração feliz.
Soja, milho, feijão… plantações ao longe entremeadas de montes assustadores de cupins e pastos com vaquinhas de presépio em movimento. Sol firme e majestoso tomando conta de tudo.
Uma parada para avistar o vale verde profundo sulcado pela erosão e que a nossa visão 3D tão pouco apreciada nos proporciona cenas cinematográficas, ao vivo e de beleza única. Impressionante, senti. A vontade de sentar em uma cadeira da natureza e esperar pelo pôr do sol. Uma árvore à beira da estrada anuncia providencialmente: “Só Jesus Salva”. Neste momento tive a convicção que estava no rumo certo ao paraíso.
Uma plataforma de gosto duvidoso para receber o disco voador esperado anuncia a entrada da cidade. O misticismo que acompanha as belas paragens do local e a população, misto de nativos e visitantes, alternativos e ecoturistas, que chegam à Chapada dos Veadeiros em busca de comunhão superior e de um significado maior para a existência terrena.
Uma pousada rosada no meio de um jardim florido e verde onde a presença imponente de um velho jatobá demanda respeito pela lei maior da natureza. O céu muito azul me acompanha ao alto.
Conhecer a cidade simples e rústica. Aparentemente igual a tantas outras do interior deste imenso Brasil. Ruas limpas. Gente bem-humorada e sorridente. Longe da pressuposta ingenuidade e, apesar da estada como um forasteiro turista, o contraste com a urbanidade fria e apressada da metrópole, sua gente irritada em busca de um santo graal desconhecido, complicado e distante. Nasci na cidade. O meu conhecimento da flora se restringe a árvores, arbustos e grama. É um mistério total de onde as frutas são colhidas, o milagre da floração em seus milhares de tipos. Pássaros são pássaros e pertencem exclusivamente a esta categoria emplumada sem especificações técnicas que os diferenciem… gatos e cães fazem parte do meu mundo doméstico. E só! A ausência de um interesse mais pronunciado não se justifica. Estar no paraíso é uma aula de simplicidade! Estar desconectado de tudo e de todos nos faz enxergar que necessitamos de muito pouco para vivermos bem, em harmonia com o que nos cerca e, principalmente, com a gente mesmo. Damos prioridades a coisas sem importância e perseguimos metas que a sociedade e o consumo de massa nos impõem. Em um local assim a sofreguidão e dependência do mundo virtual deixam de ter qualquer sentido. A simplicidade ficou estampada em meu cérebro com seus poucos neurônios especialistas em ebulição…
Pausa para um delicioso sorvete de frutos do cerrado: jatobá, aracutim, cagaita, buriti! Exóticos e saborosos… ao som de músicas sertanejas que contam causos de amores frustrados, infidelidades e muita dor de cotovelo goiano…
Felicidade é acordar de madrugada e se deslumbrar com o céu estrelado e brilhante, que nos acostumamos a ver em fotos [retocadas por photoshop?] ou em filmes juvenis. Esperar o sol se levantar por trás das chapadas perfileiradas em camadas ao longe. Praticar Lian Gong sentindo o cheiro do mato, tentando localizar grilos falantes e cigarras madrugadoras. Apurar os sentidos… onde e quando fazemos isso em nossa importante e atribulada vida urbana?
As cores violáceas vão despertando com o dia.
Tucanos aos pares nas árvores. Sem cerimônia mostram a sua vida familiar em um alegre café da manhã.
Uma nuvem de maritacas fofoqueiras invade as árvores da pousada. Contam freneticamente todas as novidades do paraíso.
Araras escandalosas fazem parte do cotidiano do lugar.
Ver, ouvir, cheirar para guardar a sensação da felicidade simples e corriqueira.
Durante os dias conhecer exuberantes cachoeiras e corredeiras que se apresentam depois de caminhar longos quilômetros por trilhas solitárias. Vales, chapadas, montes, rios em sucessão. O indescritível momento de se descobrir o salto vertiginoso de água volumosa e barulhenta. A insignificância do ser humano perante o espetáculo que nos foi legado. E como a inconsequência, a irresponsabilidade, o espírito destruidor e ganancioso do homem causa a repugnância em seu mais alto grau. Fiquei a pensar que todos deveriam conhecer lugares assim para se conscientizarem da beleza de nosso planeta e se tornarem ativos na preservação do meio ambiente. Lembra muito as apresentações PPS que recebemos diariamente, óbvias, mas verdadeiras. Assim como reforçou o meu conceito de que as crianças precisam ter animais de estimação para uma conexão afetiva que as leve a respeitar, cuidar e preservar. As pessoas que moram no paraíso ou em ambientes rurais e pequenas cidades possuem em suas casas um pomar, uma horta. Árvores antigas que passam de geração para geração ou que são apreciadas e preservadas por novos inquilinos ou proprietários. Habituam-se a ver as plantas e árvores crescerem e a se beneficiarem de seus frutos. Respeitam as estações: chuva ou seca. Aceitam os caprichos da natureza. A essência da educação ambiental. Claro que há as queimadas assassinas provocadas por proprietários de terra inescrupulosos. Nem mesmo o paraíso está livre de tais espíritos predadores.
Outro pensamento que me ocorreu: temos o mau hábito de querermos ter as coisas, possuir e não apreciar, compartilhar! A natureza é silenciosa e nos ensina o tempo todo… está lá, com seu dinamismo harmonioso, vinte e quatro por dia, sete dias por semana. Basta ter olhos para apreciar!
O dia da volta chegou.
Uma chuva impiedosa, zangada pela ingratidão daqueles que ousam deixar o paraíso. Tristeza profunda, mas com o espírito renovado. Viver no paraíso, ainda que por poucos dias deixou certamente marcas indeléveis por todo o meu ser.
A estrada de volta se tornara imagem de um video game alucinante, onde a habilidade de um mestre motorista foi requisitada ao extremo. Buracos de todos os tamanhos e formas, que mais lembravam crateras lunares, se espalharam por todo o asfalto. Lembrei-me de Han Solo e sua Millenium Falcon atravessando cinturão de asteroides ao ser perseguido por caças da federação! Emoção…
Sozinho na sala de embarque.
Imagens fortes de uma estada feliz. Já querendo retornar…
O choque do acordar!
Motorista de táxi mal humorado. Jogo de futebol no rádio.
Buzinas irritantes, concreto por todo lado, árvores enjauladas, céu opaco.
O retorno à vida de sempre. Será?
* A Chapada dos Veadeiros abriga o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, considerado patrimônio natural mundial, porém toda a região é protegida por Lei (APA de Pouso Alto). A área é conhecida por sua beleza natural. Cobrindo uma superfície de 65.514 ha, está compreendido dentro de uma área de cerrado de altitude, dentro dos municípios de Cavalcante (60%) e Alto Paraíso de Goiás (40%). * Alto Paraíso de Goiás é um município brasileiro localizado no Nordeste do Estado de Goiás, pertencendo à Chapada dos Veadeiros e, desde 2001, à Área de Proteção Ambiental – APA de Pouso Alto. Localiza-se a 230 km de Brasília-DF e a 412 km de Goiânia-GO. A sua altitude é de aproximadamente 1.300 metros, localizando-se no município o ponto mais alto do Planalto Central e de toda a Região Centro-Oeste do Brasil, com 1.691 metros de altura. Lista de Posts recentes: [PTP]posts[/PTP]
12 Comments
Ah que alegria finalmente descobrir seu verdadeiro nome! 😀
Comecei a ler o texto sem saber de quem era, e depois dos primeiros parágrafos e já pensando em não perdoar quem estivera por aqui e nem veio me visitar… rolei a página para ver quem era o autor. Era vc! Mas que talento incrível esse seu para escrever. Qdo será o lançamento do livro? Aquele que serei uma das primeiras a comprar! 🙂
Agora sei que vc entende o quanto me delicio com a viagem de carro para São Paulo. Tantas fotos não mostram um décimo de tudo que vemos pelo caminho… é simplesmente maravilhoso, divino mesmo, qdo nos damos conta de como a natureza é bela.
Amei o texto, mas vc bem que poderia ter vindo me visitar! 🙂 [ ok, eu entendo que saiu e voltou direto do aeroporto, mas passar pela Asa Sul e nem tomar um café ou uma breja aqui foi sacanagem :p]
A-mei-i o seu post. Estava vendo as paisagens enquanto lia! que venham mais textos!
Shin, adorei seu texto, delícia que é ler algo tão bem escrito! Dá vontade de botar o pé na estrada!
Conseguiu descrever perfeitamente o que é o lugar! Parabéns! A leitura me transportou para lá. Quero voltar! Me deslumbrar com o céu estrelado, com o voo do tucano que presenciei da última vez que estive no Paraíso. Como você disse "Apurar os sentidos…"
Olá minha amiga Helena !
Fico envaidecido pelas suas palavras, mas acima de tudo contente por ter gostado… Vc é uma privilegiada por estar tão perto de um santuário como a Chapada dos Veadeiros !
Ao pensar em Brasília, vc é a primeira pessoa que vem à minha mente e pensei até em te chamar para um choppinho de frente ao lago. Infelizmente, minha passagem pela capital federal foi muito rápida. Fica para a próxima, certo ?
Gostei muito de suas fotos de viagem e cheguei a comentar isso com vc. Um deslumbre ! Além de um colírio visual, um encantamento para a alma….
thanx, uryens.
Heliodora !
Fico muito satisfeito que tenha gostado…. prometo me esforçar mais em minhas futuras redações !
Que tal uma esticadinha até o Paraíso ?
thanx, uryens.
Querida Angel,
Botar o pé na estrada e se deixar levar pelas magníficas paisagens ao lado de Donatello é obrigatório !
Brigadão pelo incentivo…..
thanx, uryens.
Fernanda, somos uns caras sortudos !
Por conhecer um lugar como este….. Tirei fotos de tucanos em árvores das ruas da cidade, pode ?
Quando retornaremos ?
thanx, uryens.
Acho, na minha percepção e conhecimentos ínfimos, que vc, meu amigo, é agora, um cara de extrema riqueza espiritual… por ter conhecido um lugar de encantamentos mil e que só quem tem sensibilidade, pode se dar o prazer de evoluir desse jeito.
O bem material, a ganância, se tornaram nossos companheiros, direta e indiretamente. Infelizmente!
Se deixar levar por essa "cura" natural é o que mais e mais deveríamos fazer.
Abraço.
Fábio.
Grande Fábio !
Vc está com toda a razão !
Há um desvio: a materialidade.
Mas, precisamos de tão pouco para curtirmos muito, não é mesmo ?
O importante é termos esta consciência e fazer o melhor….
forte abraço,
uryens.
Que baita coincidência. Justamente nessa sexta feira estarei indo para o Mato Grosso do Sul (fazenda de meu pai), depois de uns 2 anos que eu não ia … Ao ver esse texto, fiquei muito mais animado, pois é exatamente a mesma sensação que tenho quando vou pra lá! Forte abraço e parabéns!
Opa Tiagão !
Vc é um cara privilegiado…. 2 anos, num querditu !
Espero que vc curta muito a natureza, família e volte reenergizado deste carnaval rural.
Brigadão pelo pit stop…
forte abraço,
uryens.