Famosa por algumas das sequências de ação mais impressionantes e memoráveis do Cinema, a franquia Missão: Impossível tinha tudo para entrar em declínio. Afinal, já se passaram 22 anos desde a estreia do primeiro filme e seu astro (Tom Cruise) já não é mais um garoto. Além disso, como manter o interesse do público depois de tantos filmes? Pois nesse sentido, Missão: Impossível – Efeito Fallout deixa de ser a regra para se tornar uma bela exceção.
Ao contrário de marcas recentes como Piratas do Caribe e Shrek, a saga dos espiões da IMF soube se reinventar ao longo dos anos, numa evolução acompanhada por seu protagonista e estrela maior, Tom Cruise, que não só demonstra uma aparente incapacidade de envelhecer (ao menos fisicamente), como parece ter aperfeiçoado sua marca registrada, o tão falado vigor físico. Comentarei mais adiante sobre essa entrega de Cruise, pois o fato é que desde que o ator passou a ocupar também o cargo de produtor, a produção passou a deixar de lado tudo aquilo que atrapalhou as duas primeiras continuações, como o melodrama e o ritmo desequilibrado, focando no espetáculo puro e absoluto. E ‘Efeito Fallout’, sexto episódio da cinessérie, mergulha de cabeça nesse conceito, espantando pela proeza de converter (normalmente longos) 147 minutos de projeção, numa espécie de montanha russa onde cada descida parece ganhar uma impulso cada vez maior.
Voltando ao cargo de diretor/roteirista após o ótimo capítulo anterior (Missão: Impossível – Nação Secreta), Christopher McQuarrie (também responsável pelo bom Jack Reacher: O Último Tiro), já escancara desde o início o caráter episódico deste ‘Efeito Fallout’ ao colocar o agente especial Ethan Hunt (Tom Cruise) diante de uma imensa tela que apresenta, para ele e para o espectador, sua mais nova missão, numa forma honesta e direta de iniciar a narrativa. Dessa vez, Hunt e sua equipe devem impedir que uma carga de plutônio caia em mãos erradas enquanto novamente seus caminhos se cruzam com o do perigoso Solomon Lane (Sean Harris), que mesmo preso parece determinado a se vingar. Nesse cenário, surgem também os misteriosos Apóstolos, uma espécie de reestruturação do Sindicato, a organização que foi desmantelada no capítulo anterior.
Vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Original por Os Suspeitos em 1996, o norte-americano combina com precisão cirúrgica cada personagem e situação a fim de criar uma trama intrincada, mas nada confusa. E sua habilidade pode ser constatada na simplicidade com que é desenvolvida a complexa teia de acontecimentos que se desenvolve no filme. Aliás, não fosse a qualidade absurdamente sem precedentes das sequências de ação (comentarei mais adiante), o roteiro certamente seria o maior triunfo deste novo Missão: Impossível. ‘Seria’ pois este filme possui cenas de ação que fazem jus ao nome da franquia.
Não foi à toa que a divulgação do projeto focou-se na perseguição de helicópteros que acontece no terceiro ato. Contando com Tom Cruise no comando de um deles, a sequência impressiona pelos ângulos de câmera, que colocam o espectador literalmente ao lado do protagonista, que por sua vez, executa uma série de manobras ainda mais vertiginosas com a montagem precisa de Eddie Hamilton (Nação Secreta), que evita os cortes frenéticos, privilegiando, ao invés disso, a ação fluida e que chama a atenção por si mesma. Como este texto não possui spoilers, evitarei comentar o desfecho dessa sequência e que ganha contornos ainda mais impressionantes. Só adiantarei que nunca um desfiladeiro foi tão bem explorado. E diga-se de passagem, todo o trabalho de câmera no final dessa sequência é digno de aplausos.
Outra sequência que merece destaque é uma intensa luta que acontece no banheiro de uma gigantesca boate. Nesta, em específico, Christopher McQuarrie é inteligente ao optar por conduzí-la sem o acompanhamento da trilha sonora, intensificando a atmosfera de tensão e amplificando a força dos golpes. Porém, por mais que eu tenha gostado desses dois momentos que mencionei, meu favorito é aquele que se inicia com um resgate: essa gigantesca sequência inicia com a execução de audacioso plano que busca interceptar um comboio . Mas o que acontece a seguir é o que faz deste um dos melhores filmes de ação dos últimos anos. Começando com a soberba trilha sonora de Lorne Balfe, que une tensão e opulência, o resgate emenda numa perseguição de motos pelas ruas de Paris, num daqueles momentos em que o espectador tem a sensação de estar diante de algo sublime.
E mesmo que a série já tenha apresentado outras perseguições memoráveis, o que faz desta a sua melhor é o preciosismo com que é conduzida, basta notar, por exemplo o instante em que Ethan Hunt, pilotando sua moto, olha para trás (algo que faz com frequência) e ao voltar sua atenção para a frente é obrigado a sutilmente desviar de um carro, num movimento aparentemente instintivo e cuja rapidez pode acabar passando despercebido, mas que comprova o grau de realismo atingido pela equipe do filme. E não para por aí, pois há uma outra perseguição (dessa vez uma moto atrás de um carro), onde a trilha sonora é interrompida para que possamos ouvir o zumbido decorrente da passagem de uma motocicleta em velocidade por um corredor repleto de pilastras, enquanto a câmera acompanha firmemente toda sua trajetória, permitindo que compreendamos a geografia de cena e tenhamos a perfeita noção do que está acontecendo, além, obviamente, de contemplar o brilhantismo do design de som. Como no recente (e magnífico) Mad Max: Estrada da Fúria, os efeitos práticos fazem total diferença e oferecem a oportunidade de mergulhar o espectador numa adrenalina quase palpável e sem truques digitais.
Palpável também é a visceralidade da atuação de Tom Cruise que se supera como o herói Ethan Hunt: passando dos 56 anos de idade, Cruise exibe um preparo físico estarrecedor, imprimido ainda mais energia do que no início de sua carreira (sinta o impacto), como fica claro numa longa cena (sem cortes) onde o ator é visto correndo em velocidade máxima num esforço semelhante ao de um velocista de 100 metros rasos. Ademais, sua habitual (e admirável) entrega ganha ainda mais impacto quando nos lembramos do acidente que o astro sofreu e cujo tornozelo quebrado custou um considerável atraso nas filmagens. Cada vez menos expressivo, Cruise parece ter se dado conta que somente seu empenho poderia contornar suas crescentes limitações dramáticas.
Falando em drama, Efeito Fallout é, de fato, o mais sombrio da série, o que pode ser constatado não apenas nas notas graves que acompanham o tema clássico concebido pelo argentino Lado Schifrin durante os créditos iniciais, como também em toda a narrativa, o que não deixa de ser um acerto. Menos dramática é a ausência de Jeremy Renner e seu William Brandt que dessa vez dá lugar ao viril August Walker. Interpretado pelo quase sempre carismático Henry Cavill (o atual Superman), Walker surge como uma espécie de ‘babá’ para Hunt, impondo respeito através de sua força física, mas também utilizando o bom humor para quebrar o gelo. Por falar em humor, Simon Pegg brilha mais uma vez como o simpático geek Benji, surpreendendo com algumas boas participações mais, digamos, ‘físicas’ no terceiro ato. E se Alec Baldwin ganha ainda mais importância como o Secretário Hunley, Vanessa Kirby (Como Eu Era Antes de Você) estreia na série exalando ambiguidade como a misteriosa Viúva Branca, oferecendo uma composição que beneficia-se de seu sorriso largo para criar uma mistura de simpatia e ameaça, ratificando a tradição da série em produzir personagens femininas fortes.
Nesse quesito, a Ilsa Faust de Rebecca Ferguson (O Rei do Show) segue imbatível. Depois de roubar a cena no filme anterior, Ferguson volta a exibir química com Tom Cruise, investindo em movimentos precisos e olhares firmes para sugerir uma mulher forte, inteligente e determinada. Sem contar seu talento nato para as pujantes lutas, não devendo em nada ao seu experiente colega de cena.
Elevando o patamar das sequências de ação e divertindo com uma trama que combina complexidade e humor com doses cavalares de adrenalina, Missão: Impossível – Efeito Fallout entra para rol dos grandes filmes de ação do Cinema Contemporâneo, representando o auge de uma franquia que não demonstra o menor sinal de desgaste.
Observação: Efeito Fallout é o primeiro Missão: Impossível exibido em 3D, uma novidade completamente desnecessária e que não diz a que veio.
1 Comment
Pingback: O Cinema em 2018: Os melhores e os piores filmes do ano