A chuva caía forte enquanto Manuel, o Seu Mané, observava o táxi parar em frente ao prédio. Seu Mané era porteiro do Condomínio Flor de Lis há mais de 10 anos. O edifício era antigo com uma construção elegante e muitos detalhes na fachada. Todo o hall de entrada era com paredes revestidas por madeira e dois elevadores atendiam aos moradores. Eram dois equipamentos modernos, que foram instalados depois de muitos acidentes com os elevadores antigos. O edifício, com quatro apartamentos por andar, possuía quinze andares, mas nem todos estavam habitados.
Fernando, morador do apartamento 81, desceu do táxi e correu para o prédio acenando para Seu Mané abrir a porta. Assim que entrou no hall, sacodiu o casaco que usava em uma tentativa inútil de se livrar da água da chuva que já umedecia sua roupa. Agradeceu e desejou boa noite para Seu Mané, chamou o elevador e ficou aguardando olhando para o celular.
Seu Mané olhava para o monitor – uma câmera havia sido instalada devido aos atos de vandalismo no elevador – e se divertia como se assistisse a uma novela. Com a cabeça apoiada em uma das mãos e o olhar fixo para a tela, ele acompanhava Fernando que estava no elevador.
Fernando apertou o botão do quinto andar, que acendeu uma luz vermelha ao seu redor. Demorou somente alguns segundos para ele perceber que acionara o andar errado. Ele praguejou quando percebeu o erro e logo apertou o número oito, que também acendeu. Enquanto o elevador subia, o indicador de andar mostrava o número quatro quando Fernando pensou mais uma vez que ainda teria que esperar o elevador parar no quinto andar – afinal, a porta abria e fechava muito lentamente. No painel de controle não havia o botão para fechar a porta. No entanto, o elevador passou direto pelo quinto andar e, antes que Fernando ficasse feliz, passou direto pelo oitavo também. Ele, então, começou a apertar o botão de número oito, como se fosse um freio, mas o elevador não parava. Fernando acionou o botão de emergência. Nada. Lembrou-se da câmera e começou a acenar para que Seu Mané pudesse ver e fazer alguma coisa. Era possível vê-lo gesticulando no monitor da portaria, mas Seu Mané havia cochilado.
O elevador parou no décimo terceiro andar, a porta se abriu e não fechou mais. Fernando voltou a apertar o botão de seu andar, o oitavo, mas o sistema parecia não responder. Então, pensou “será que terei que descer de escada?” Fernando saiu do elevador, e reparou que o corredor estava totalmente escuro. As luzes não acenderam com o sensor de movimento e então a porta do elevador fechou. “Filho da puta” foi a frase dita em voz alta pelo homem que agora estava perdido totalmente no escuro. Naquele andar não morava mais ninguém desde o ultimo incêndio que matara dois moradores. Ele se lembrou disso e também do fato que aquele andar estava isolado pela perícia há meses. Nem mesmo o número treze funcionava no elevador. Dessa forma a escada também estaria lacrada.
Pegar o celular pareceu uma atitude sensata, poderia ligar para alguém ir buscá-lo, uma vez que a porta de acesso a escadaria poderia ser aberta pelo lado de fora. Estranhamente o sinal do celular estava fraco e a chamada não completava. Fernando usou a luz da tela do celular para encontrar o painel que chamava o elevador, mas ela era fraca e ele se arrependeu de não ter instalado o programa que utiliza o flash como lanterna. De qualquer forma o painel não funcionava.
O pouco de luz que o celular fornecia foi suficiente para o rapaz perceber um vulto passando próximo a ele. Fernando virou o celular na direção oposta e começou a procurar por algo que não sabia o que era. Não demorou muito para ele notar uma silhueta parada em frente a porta de uns dos apartamentos. Fernando fez a pergunta mais inútil naquele momento: “Olá?” O rapaz, que agora estava assustado, começou a andar na direção da silhueta e pensava ao mesmo tempo em que caminhava no motivo de estar fazendo aquilo. Ao se aproximar, usando o celular ainda como lanterna direcionou o feixe fraco de luz para a silhueta e percebeu que parecia ser alguém.
O ser estava de costas para ele, era possível perceber uma respiração ofegante, parecia ter um metro e noventa de altura e ser forte. Usava algo como se fosse um capuz, estava com as costas ligeiramente encolhidas e a cabeça apoiada na porta. Fernando estendeu a mão para tentar tocar aquela pessoa e perguntar o que estava fazendo ali, mas não foi preciso. Ao se virar, o ser provou que não era humano. Dentes afiados e olhos vermelhos brilhantes viraram em direção ao rapaz, que, nesse momento, gritava. Agarrado pelo pescoço por mãos fortes e unhas afiadas que penetravam na pele, Fernando não conseguia reagir, tamanha força do ser. Ele foi jogado no chão e, já atordoado, foi mais uma vez atacado. Agora o ser estava sobre Fernando, e os olhos brilhantes e assustadores não preocupavam mais o rapaz quando ele viu a boca do monstro se abrir. Dentes brancos e afiados foram na direção de seu rosto, mas ele não foi mordido. Uma gosma incandescente começou a cair no rosto de Fernando. Ela queimava como lava vulcânica. Sua pele queimava e o ser passou a cuspir aquele líquido por todo o corpo do rapaz. O cheiro de carne queimada começou a subir e Fernando já não gritava mais. Havia agora somente um amontoado dos restos mortais derretidos no chão. O ser aspirou tudo e voltou para a porta do apartamento.
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Seu Mané acordou quando Bárbara bateu na porta do prédio. Ele abriu a porta e a mulher, juntamente com sua filha, entraram no hall. A chuva ainda caía forte, ambas estavam encharcadas e foram para o elevador, que já estava no térreo. Bárbara morava há pouco tempo no prédio e, por engano, apertou o andar errado. No prédio em que ela morava anteriormente, seu apartamento ficava no sexto andar e, agora, morava no sétimo. Rapidamente ela notou o erro e apertou o andar correto. Sua filha de cinco anos olhou para os números circundados pela luz vermelha e disse:
– Olha mamãe, seis mais sete igual a treze.
2 Comments
Muito boa a história não sabia que você escrevia tão bem adorei
Muito Obrigado! Espero continuar agradando com as novas histórias.