Gotham City, 1981. A cidade sobre com uma onda de violência e greves de serviços básicos. Enquanto Thomas Wayne se candidata a prefeito tendo na plataforma a promessa de colocar a cidade em ordem, Arthur Fleck – o Coringa – trabalha como palhaço, recebe acompanhamento social por seus problemas mentais e sonha em ser comediante de stand-up comedy. Porém, após ser demitido, sua vida passa a tomar rumos que levam a consequências extremas – tanto para ele quanto para a cidade como um todo.
O que esperar de Coringa?
Confesso que a produção em massa de filmes baseados em quadrinhos na última década tem me deixado um pouco com o pé atrás. Sim, é ótimo ver esse nicho sendo atendido, mas até que ponto não é só mais do mesmo?
Talvez eu vá criar um pouco de polêmica agora, mas se tem uma coisa que a DC soube fazer aqui foi fugir da fórmula pronta de sucesso que a Marvel vem usando – e que não funcionou tão bem para a primeira. O filme da Marvel que pode chegar mais perto do que foi construído aqui é Logan, pela estética e temática mais adulta e por trazer questões corriqueiras para dentro de um roteiro fantasioso.
Esqueça os filmes de heróis, anti-heróis ou super-heróis. Em Coringa temos um personagem e um cenário já conhecido do público, mas o foco não é esse.
Inclusive, poderia muito bem ser a história de qualquer outra pessoa. E aqui entra o único “problema” que vejo neste filme que pode estar dificultando que as pessoas vejam isso: o trailer. Ainda vejo muito nele a figura de Coringa que foi construída com o trabalho desenvolvido por Heath Ledger, o psicopata niilista. Com isso projetamos no trabalho de Joaquin Phoenix algo que não é o que ele traz.
Ao contrário do que o trailer de certa forma constrói, e acredito que isso não seja SPOILER (mas se estiver receoso pule esse parágrafo), Arthur Fleck é um homem comum. Ele é uma pessoa com problemas mentais e dificuldade de se inserir na sociedade, aquele cara meio esquisito que muitos se afastam e outros zombam e maltratam. Contudo ele não é o líder de uma revolta que prega o caos pelo caos ou a anarquia como muitos estão supondo. As consequências dos seus atos são um acaso, não algo planejado.
Se não é filme de quadrinhos é o que então?
Tendo isso dito, o possível “anti-heroísmo” visto nele por alguns não cabe aqui. O enredo que envolve o personagem principal é tão maior e tão mais profundo do que falar de vilões malucos ou heróis com super poderes, que se eu for entra na seara de assuntos a serem discutidos que o enredo proporciona acabarei escrevendo um artigo científico.
Ainda assim, acredito que uma cena específica, em que temos o ar da graça de Charles Chaplin, conseguimos ver mais claramente a alma de Arthur Fleck no máximo da sua exposição.
Mas o que posso dizer é que a trama trabalha, ainda que se passando na década de 1980, como nossa sociedade hoje está falida. O quanto não existe mais empatia, o quanto as pessoas não se importam com o próximo nem com a sociedade como um todo.
E, por mais que o filme tenha foco mais no drama psicológico e no suspense que esse provoca, sim, a classificação para maiores de 16 anos é muito válida. As poucas cenas de violência que existem valem por um filme inteiro de pancadaria.
O que temos é um protagonista completamente quebrado ao qual vamos conhecendo sua psique aos poucos, sem necessariamente entendê-lo. E a dinâmica da história nos ajuda mais ainda a emergir na forma de pensar de Arthur. A forma como ele é construído nos faz ter uma empatia por Arthur Fleck, querer ajudá-lo, mas ainda assim saber o quão errado o Coringa está.
Até é interessante observar uma certeza semelhança desses traços com Travis Bickle de Taxi Driver, mais ainda ao ver seu intérprete, Robert De Niro, também atuando aqui só que desta vez na outra ponta do jogo.
Características do filme
Quanto a outros pontos do filme acredito que o principal a se destacar é o trabalho feito por Joaquin Phoenix. Novamente temos mais um Coringa, diferente do Jack Nicholson e do Heath Ledger. Uma nova figura foi construída com novos traços – de personalidade e físicos.
Inclusive, a transformação física que ele passou para esse papel é impressionante. Além da forma como anda, corre e se move. Tudo expressa o que conseguimos ver em seus olhos: o vazio existencial. Joaquin Phoenix já é um ator conceituado e premiado, mas se havia ainda alguma dúvida aqui está a prova.
E seu trabalho anda em paralelo com o filme como um todo. A produção de forma geral é muito crua e realista, isso fica mais exposto ainda com o uso de 70mm que mostra toda a sujeira de Gotham (recomendo assistir em IMAX para ver mais ainda os detalhes). Além disso ainda temos muitos closes e o uso de uma distância focal baixa, o que nos aproxima mais das expressões de Arthur Fleck.
Por essa razão destaco o trabalho conjunto do diretor Todd Phillips e do diretor de fotografia Lawrence Sher que construíram imagens que deixam a história crível, tudo mostrado e visto é palpável de tão realista. Outro ponto a dar destaque é a trilha sonora de Hildur Gudnadóttir, que nos conduz de forma fluida pelos altos e baixos da trama.
Por cada detalhe e pelo conjunto da obra agora fica claro o Leão de Ouro em Veneza que este “filme de quadrinhos” ganhou. Com certeza irá mudar a trajetória dos filmes do gênero.
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