Não gosto de ver notícias. Descobri que me fazem mal. Estragam o meu fígado, pois fico muitas vezes com raiva, outras vezes, frustrada.

Como nesta semana, quando duas notícias tão díspares me chamaram a atenção, pelo desprezo e pelo disparate. Em comum as duas, o dinheiro que o nosso governo gasta (o nosso dinheiro).

A primeira, notícia de primeira página, logo me chamou a atenção: “governo corta verba de cirurgia de aneurisma” (JT, 18 de junho de 2011). Os premiados são os pacientes. Na cirurgia de aneurisma são colocadas espirais de platina nos vasos afetados. Cada uma delas custa R$2230,00, e o governo só libera R$1350,00 por cada uma. O Ministério da Saúde (???) reduziu o valor pago pelas espirais sem consultar hospitais, médicos e os importadores de material médico. As cirurgias não estão sendo feitas porque o material que havia em estoque está acabando. O material não pode ser mais importado porque o valor pago pelo governo não cobre sequer os impostos (cobrados pelo mesmo governo). A situação seria cômica se não fosse trágica. A responsável do Ministério da Saúde diz na entrevista: “buscamos racionalizar o uso do recurso público”. Os pacientes são mandados de volta para casa, e orientados a voltar somente se sangrar. Ocorre que quando sangra, o paciente já tem somente 60% de chance de sobrevida.

Estou tentando entender a mentalidade dos nossos governantes responsáveis pela gestão dos recursos da saúde, que saíram do nosso bolso. Imagino que se eles barram as cirurgias, eles economizam um bocado de dinheiro. Se 40% dos pacientes morrem por não fazerem a cirurgia, eventualmente eles terão de pagar um salário mínimo para a família que ficou sem o provedor ou provedora. Se não for provedor, a família é que paga para enterrar, e eles ganham mais algum dinheiro. Dos 60% que sobraram, uma parte conseguirá fazer a cirurgia, mas em se sabendo da condição dos hospitais públicos, é bem capaz que mais uma parte dos pacientes morram aí. O restante ficará esperando para receber o atendimento para suas seqüelas, em salas de fisioterapia e terapia ocupacional mal equipadas e lotadas. Como o custo por um profissional desses é relativamente baixo (cerca de R$14,00 por sessão), acho que pelas contas do governo deve valer a pena. Se você duvidar, é só ver quantos atendimentos se pode fazer com o preço de apenas uma espiral de platina…

Acho interessante a lógica do nosso governo, pois aqueles que estão lá para gerir o “recurso público” esquecem-se que este dinheiro veio dos impostos que pagamos. E como pagamos! Quando abrimos a torneira, quando acendemos a luz, compramos um bem, colocamos combustível, tomamos um café na esquina. Tudo tem imposto! E depois pagamos o imposto de renda…

Este dinheiro vai para a educação (?), para a saúde (?), conservação de rodovias (?) , salário dos nossos governantes (aumentados periodicamente com a plenária lotada, sem votos contra), e para obras prioritárias, como o estádio do Corinthians, como está anunciando esta semana. Inclusive acho interessante lembrar o que falou um desses nossos representantes do povo (mas com certeza não meu), no noticiário: ele espera que esta verba saia, pois é importante para São Paulo, pois vai gerar muitos empregos…. Quem já ouviu esta história, por favor, levante a mão!

Pois é, esta era a segunda notícia: alguns milhões para o pão e circo. O nosso dinheiro suado, devidamente seqüestrado em impostos, é gerido como querem os governantes, mas não os governados. Não podemos depender do sistema de saúde público, pois o que pagamos por ele não vai para ele. Eles tentam ser racionais quando usam o nosso dinheiro para a saúde. Espero que também o sejam quando votarem para o estádio.

E é por isso que não gosto de ver notícias. Agora, me dêem licença, vou fazer um chá de boldo para o meu fígado.

 

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2 Comments

  1. o/ Ótimo texto (2)! Adorei os (?) e estou de acordo com todos. Fora que no (?) da conservação das rodovias, abro um aspas para as concessionárias que cobram o pedágio pra cuidar das estradas e existem parte do valor do combustível que é imposto para o caso, quando a constituição (com c minúsculo) diz que somos livres para ir e vir, tudo e tal, somos obrigados a pagar o pegágio, pois, até que atrase a tua viagem tentando provar que a constituição diz que blá, é bem capaz de chamarem a polícia pra oficializar o assalto, pois, o pedágio é o imposto do imposto do imposto. Afffff
    Pior é saber que abre-se mão da vida em razão do assalto… do CurinTCHANz, enfim.

    Parabéns pelo texto!

  2. Heliodora

    Mon Ami, também sei dos impostos do pedágio, mas se fosse colocar no texto tudo que estava engasgado na goela de moazinha, seria um tratado. Aliás, você já leu FeBeaPá (festival de besteiras que assolam o país?). O autor é o Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo de Sérgio Porto. foi escrito há pelo menos trinta anos. Leia e depois me diga se não é a mesma situação de hoje…