Como é Cruel Viver Assim. Clívia (Fabiula Nascimento) é uma mulher trabalhadora que divide seu tempo entre a administração de uma pouco movimentada lavanderia e seu marido Vladimir (Marcelo Valle), um homem exausto pela infrutífera procura por um emprego e que já não enxerga alternativas para solucionar seus problemas financeiros. É quando Regina (Debora Lamm), amiga do casal e com quem divide a casa (de favor) surge com uma ideia, no mínimo, inusitada: fazer um sequestro e enriquecer com o resgate. Inicia-se, então um planejamento que colocará os três em contato com o perigoso mafioso Velho (Otávio Augusto) e o misterioso Luiz (Paulo Miklos), que ajudará na empreitada.
O componente absurdo é evidente, mas não tão claro quanto o subtexto social incutido na trama. Escrito por Fernando Ceylão (O Homem do Futuro), o roteiro é competente ao traçar um paralelo com a atual realidade brasileira (assolada pela crise econômica), sem perder de vista o caráter humano mesmo apostando no absurdo na hora de apresentar soluções para os problemas criados. Esbaldando-se com o nonsense, Ceylão não se furta de pinçar divertidas referências dos clássicos norte-americanos, como ao colocar o Velho, de Otávio Augusto (Além do Homem), acariciando um gato enquanto conta uma história intimidadora.
Augusto, por sinal, diverte-se como o criminoso, aproveitando cada segundo de sua pequena participação para criar um indivíduo que por trás da gentileza e dos bons modos esconde uma faceta supostamente cruel e implacável. Já Marcelo Valle, um ator normalmente desperdiçado em papéis unidimensionais como o estereótipo Wilson de Meu Passado me Condena, finalmente tem a oportunidade de explorar seu talento: evocando com habilidade o sentimento de exaustão que sufoca Vladimir, o carioca também se sai admiravelmente bem nas sequências cômicas, onde demonstra flexibilidade e segurança, por exemplo, ao contracenar com a conterrânea Debora Lamm (Chocante), experiente comediante e que rouba a cena categoricamente com a impagável Regina. Investindo numa composição que subverte o padrão das femme fatale, normalmente figuras de corpo escultural e lábia sedutora, Lamm dispara seus diálogos entremeando palavrões, ostentando modos rústicos que abraçam a caricatura para transformar Regina numa mulher manipuladora, mas inegavelmente direta (meu momento favorito é aquele que envolve uma entrevista de emprego).
E se Silvio Guindane (O Crime da Gávea), constrói com perfeição o arco dramático do volátil Primo, Fabiula Nascimento soa desconfortável como Clívia, porto seguro de Vladimir e aparentemente a única lúcida da recém-formada quadrilha. Fora de sintonia com o restante do elenco em momentos pontuais (como a discussão com Vladimir na sala), Nascimento parece claudicar sempre que Clívia deixa o posto de esposa devotada e submissa (função muito bem cumprida, verdade seja dita), carecendo de timing cômico nas gags que protagoniza no interior da casa.
Já tecnicamente, Como é Cruel Viver Assim é só elogios, a começar pela ótima trilha sonora de Berna Ceppas (Tim Maia) que resiste ao costumeiro impulso de muitas comédias nacionais (geralmente com o selo Globo Filmes) de guiar os sentimentos do espectador, evitando, assim, tons engraçadinhos e melodias sentimentais, optando, ao invés disso, por acordes contidos e apenas atmosféricos, ao passo que Julia Rezende (do bacana Um Namorado Para Minha Mulher) realiza aqui seu melhor trabalho, conduzindo a narrativa com disciplina e esbanjando firmeza ao equilibrar (adequadamente) humor e drama. Igualmente elogiável é a fotografia de Dante Belluti (Ninguém Entra, Ninguém Sai) que, inicialmente investindo numa paleta esverdeada para ilustrar o cotidiano opressor da vida de Vladimir e Clívia, aos poucos vai adotando tons mais quentes à medida que a trama avança, construindo, no processo, imagens marcantes como aquela que encerra a projeção e envolve um imenso cemitério.
Divertindo através do absurdo de suas situações e provocando reflexão ao tocar na ferida aberta representada por um povo imerso em problemas socioeconômicos, Como é Cruel Viver Assim merece créditos por oferecer um entretenimento de qualidade e que, acima de tudo, não sente a necessidade de apelar para tentar ser engraçado. Um produto raro hoje em dia e que merece ser valorizado.
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