Sidonie Gabrielle Colette foi uma das mais ilustres escritoras da história da França, tendo escrito mais de quatro dezenas de livros e contos, alcançando fama internacional com sua personagem Claudine, cujas histórias foram verdadeiros best-sellers na época. Entretanto, Colette só recebeu o devido reconhecimento como autora muito tempo depois, já que seu marido Willy era quem assumia a autoria de suas obras.
Iniciando a narrativa em 1893, com Colette (Keira Knightley) vivendo ainda no interior da França, o filme conta a origem da escritora desde o início de seu relacionamento com Willy (Dominic West), um crítico teatral de prestígio que escrevia contos nas horas vagas, até sua ascensão na sociedade, quando suas ambições ficaram grandes demais para serem escondidas sob a sombra do marido.
Colette é vivida por uma Keira Knightley bem distante de suas habituais caretas e maneirismos exagerados, retomando o caminho das boas performances, de onde se desviou após o excelente Desejo e Reparação. Aqui, Knightley compõe Colette como uma moça doce e repleta de energia, que aos poucos vai abandonando a inocência e a submissão, quando se transforma numa mulher cheia de personalidade e cansada dos abusos do marido. Essa transição é retratada com habilidade pela atriz britânica, que demonstra talento ao convencer tanto como a jovem do interior, como mulher forte e estabelecida na metrópole.
Já Dominic West, um ator talentoso, mas normalmente subestimado em função de uma carreira dominada por papéis unidimensionais, tem a rara oportunidade de encarnar uma figura complexa. Willy é um artista que não cansa de esbanjar sua cultura através de uma retórica de vocabulário rebuscado e uma lábia invejável, o que lhe possibilita equilibrar-se entre a fachada de prestígio que ostenta na alta sociedade e o homem de atitudes moralmente questionáveis e que vive sempre financeiramente apertado.
E o roteiro é hábil ao não transformar Willy num vilão, possibilitando que o público entenda suas motivações, mesmo que estas sejam, no mínimo, polêmicas. Afinal de contas, estamos falando de um homem que justifica o adultério como algo “que todo homem faz”, e que sequer consegue cumprir a promessa de dedicar-se exclusivamente à Colette, sua esposa. Para piorar, ele a obriga a escrever “no mínimo quatro horas por dia”, a fim de cumprir prazos deliberadamente assumidos com seu editor. Aliás, ele chega até mesmo a trancafiar Colette num quarto quando esta se diz cansada, condicionando sua saída ao avanço na escrita de seu próximo livro.
E por falar em livro, a falta de caráter de Willy atinge o ápice com sua decisão de excluir o nome da esposa (e verdadeira autora) como responsável pelas histórias de Claudine. O motivo para tamanho descaramento também escancara um machismo revelador, com a alegação de que “a sociedade jamais aceitaria que essas histórias viessem da mente de uma mulher” ou, pior, “você escreve para homens”, chegando ao ponto de repreender Colette por um estilo “feminino demais”.
Esse cenário misógino serve como o gatilho perfeito para a independência de Colette, que resolve dar um basta nessa situação ao abraçar a liberdade, que é ilustrada com os crescentes impulsos homossexuais que a personagem apresenta e que são encarados com surpreendente leveza por Willy, num esforço que humaniza o errante personagem. Em contrapartida, West e o roteiro falham ao não elaborarem uma transição adequada a Willy, que se entregas a arroubos de fúria e assume posturas abruptas demais que não condizem com sua imagem inicialmente construída.
Ainda na seara das imperfeições, a produção jamais justifica a recorrente falta de dinheiro do casal principal, mesmo com a prosperidade conquistada com os livros de Claudine. Sim, aqui e ali Colette e Willy sugerem um gasto excessivo, mas os lucros obtidos com a venda de suas obras são tão expressivos que o roteiro encontra sérios problemas para ilustrar essas despesas exponenciais. Com isso, não conseguimos entender os motivos que levam o casal a frequentemente declarar-se à beira da falência. Colette também demonstra certa negligência ao ignorar a família da protagonista justamente quando esta assume publicamente sua homossexualidade. Nesse ponto, não há questionamentos e a produção foge covardemente dos desafios que a escritora obviamente enfrentou.
Felizmente, a deliciosa trilha sonora composta pelo estreante Thomas Adès ajuda na construção de uma atmosfera sempre irresistível e que faz de Colette uma cinebiografia de época que se afasta das abordagens frias e excessivamente formais de obras semelhantes. Parte desse sucesso deve ser atribuído à direção segura de Wash Westmoreland (Para Sempre Alice) , que mantém a câmera quase sempre em movimento, e à montagem precisa de Lucia Zucchetti (A Rainha) responsável por um ritmo ágil e que não cai nem mesmo com a abundância de diálogos.
Enquanto isso, o designer de produção Michael Carlin repete seu excepcional trabalho em A Duquesa, construindo cenários absolutamente fiéis à época em que o filme se passa, conferindo personalidade também às cenas internas, ao passo que os figurinos assinados por Andrea Flesch (O Duque de Burgundy), embora discretos e nada luxuosos, jamais comprometem a narrativa, contribuindo para refletirem seus personagens, como Colette, que inicia a história com vestidos conservadores e de tons pasteis e termina com trajes masculinos e de tons escuros.
Competente ao retratar uma época conservadora e dominada por valores machistas, Colette é uma cinebiografia de época deliciosa de assistir e que se beneficia imensamente de uma performance inspiradíssima de Keira Knightley.
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