Monstros alienígenas e robôs gigantes ocupam o imaginário de qualquer criança. Por isso, quando o recém vencedor do Oscar Guillermo Del Toro propôs o primeiro Círculo de Fogo, sua intenção era despertar aquela criança que ainda existe dentro de nós, através de combates espetaculares entre criaturas gigantescas e robôs humanoides concebidos para a batalha. E ainda que não seja perfeito, Pacific Rim (no original) era (ou é) uma tremenda diversão em larga escala.
Dito isso, Círculo de Fogo – A Revolta aposta em tudo o que deu certo no primeiro, com os colossos se digladiando enquanto cidades inteiras sofrem as consequências da batalha. O problema é que, ainda que relativamente divertido, A Revolta não é capaz de manter a atmosfera lúdica de seu antecessor sem descambar para um tom quase infantil, transformando a idéia inicial em mais um caça-níquel feito sob medida para as gerações mais jovens.
Escrito a oito mãos, o roteiro dá prosseguimento aos acontecimentos narrados no primeiro filme, quando a humanidade se livrou da ameaça dos Kaijus após dolorosas e catastróficas batalhas lideradas pelo bravo General Pentecost (Idris Elba). Agora, com o mundo tentando se reconstruir, a tecnologia dos Jaegers está banalizada, já que os destroços dos primeiros combates permitem que qualquer um construa seu próprio robozão. E com uma nova e misteriosa ameaça na forma de um Jaeger “pirata”, é o jovem Jake Pentecost (sim, o filho) quem deve liderar uma missão para impedir o retorno dos kaijus.
Não bastasse essa premissa genérica, o roteiro mal consegue lidar com tantos personagens em cena. E são vários, desde cadetes (adolescentes) até “Rangers”, passando por rostos conhecidos (os cientistas Gottlieb e Newton) e comandantes chineses. Nesse contexto, apenas o trio protagonista consegue algum tipo de desenvolvimento, mesmo que parco e insuficiente, como a novata Amara Namani (Cailee Spaeny), cuja única função parece ser a de reclamar o tempo todo.
Outro que sofre com a falta de profundidade é Newton (Charlie Day), que até possui uma interessante subtrama, mas cujo potencial é descartado para dar lugar à mais batida das soluções. Enquanto isso, Scott Eastwood (filho de Clint) mostra porque costuma perder tantos papéis em Hollywood, já que sua composição limita-se a uma fachada carrancuda e um tom de voz rouco. Por outro lado, John Boyega (de Star Wars) não tem a menor dificuldade de carregar o filme nas costas enquanto seus colegas de elenco sucumbem: extremamente carismático, Boyega encara com naturalidade não só as varias sequências de ação, como também as mais reflexivas, saindo-se especialmente bem nos momentos cômicos, quando tem a rara oportunidade de demonstrar seu bom timing.
Infelizmente, Boyega não é o bastante para disfarçar tantos buracos na história, que vão ficando cada mais maiores a medida que o clímax vai se aproximando e dizem respeito não só aos preguiçosos subterfúgios que levam ao terceiro ato, como também ao tacanho artifício utilizado para aproveitar uma característica recente de Newt.
Tecnicamente, porém, A Revolta se sai relativamente melhor, quando opta por não se arriscar, adotando, ao invés disso, uma abordagem que limita-se a manter o design estabelecido por Guillermo Del Toro no filme anterior. Perde-se em criatividade e evolução, mas ganha-se em cor, visto que este segundo filme revela-se muito mais colorido e vivaz que seu antecessor, cumprindo as exigências de mercado, obviamente. A manutenção (leia-se cópia) do estilo de Del Toro é tão escancarada que até mesmo a irreverente cena em que um Jaeger toca num pêndulo de Newton (o Isaac) em plena batalha é replicada na forma de um carro sendo tocado, o que dispara o alarme.
Paralelamente, o longa finalmente engrena quando inicia seu terceiro ato e pode, enfim, entregar-se completamente à pirotecnia, abusando da câmera lenta (que Del Toro sabia ser um clichê) e da destruição, mas sem sacrificar a mise-en-scéne, permitindo que compreendamos o que ocorre em cena. Assim, quando o robô A luta contra o Robô B, sabemos exatamente quem está batendo e quem está apanhando, através de bons movimentos de câmera (que privilegiam os golpes) e o bom uso do plano aberto, que estabelece a geografia da cena sem dificuldades.
Não há dúvida que a maior vocação de Círculo de Fogo é para o espetáculo, mas sem a direção de Guillermo Del Toro, perde-se o componente emocional, aquele que nos conecta à ação, o que converte esse novo filme a um show oco de efeitos visuais (que por sinal continuam ótimos). Mais do que isso, sem Del Toro, ficamos sem sua imaginação e sem seu bom olhar para a ação em termos criativos, o que é uma pena. O estreante Steven S. DeKnight não chega aos pés do cineasta mexicano, mas ao menos é inteligente o bastante para não mexer no que já estava dando certo.
No final das contas, Círculo de Fogo – A Revolta é o que não esconde ser: um produto comercial voltado para os mais jovens (o que explica o envolvimento de adolescentes na batalha), sem qualquer tipo de ambição, a não ser o de proporcionar a boa e velha diversão escapista.
A franquia desce um degrau, mas ainda terá a oportunidade de voltar ao topo com a prometida sequência. Ou você duvidava que fariam um gancho para o terceiro filme?
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