O que falar de Capitão Fantástico?
Ben, sua esposa Leslie e seus seis filhos vivem no meio de uma floresta. Ele passa os dias dando treinamento físico, de luta, de caça e intelectual para as crianças. Leslie no entanto necessita ser internada em um hospital, após 3 meses de sua ausência ela falece e eles precisam deixar seu paraíso e retornar à cidade para o funeral dela.
Ao ver o trailer talvez se tenha a sensação de que o roteiro endeuse movimentos comunistas ou anarquistas, que demonize o capitalismo, as religiões e a sociedade mundial de forma geral. Ao começar a assistir o filme e ver o comportamento de Ben, talvez essas impressões se invertam.
A questão é que o filme trabalha, sim, nossa sociedade ocidental atual, mas não defendendo uma postura ou outra, não tomando partidos e sendo afirmativo, trazendo a posição de questionamento sobre as posturas extremistas cada vez mais presentes nos dias atuais.
A trama não trabalha o que é certo ou errado, 8 ou 80, na verdade o tema central é a ponderação, a moderação de pontos de vistas a um meio comum. E é exatamente isso que encanta na história, você pode discordar e concordar em vários pontos do pai ou do avô, porém consegue enxergar que nenhum dos dois está completamente certo.
Confesso que alguns pontos da criação que Ben dá aos filhos me encantaram, como não mentir e sempre fazê-los raciocinar sobre as coisas e não apenas decorar (incluo como exemplo aqui Kielyr explicando o livro Lolita para o pai ou Zaja comentando a lei de Direitos Humanos).
Ainda assim essas crianças prodígios são um pouco ilusórias, pois duvido que qualquer pai com essa criação conseguisse construir 6 filhos tão intelectualizados desde os 5 anos. Entretanto trata-se de uma ficção sem nenhum laço com alguma história biográfica, portanto não acredito haver necessidade desse purismo, por mais que o roteiro seja bem cru.
Ainda sobre o roteiro pode-se destacar os diálogos brilhantes, principalmente envolvendo as crianças, onde discute-se sobre fascismo, consumo descontrolado, as enfermidades da sociedade americana (outra cena a ser observada nesse momento: as crianças comentando a obesidade da população média).
A utopia que o casal conseguiu por em prática chega ao ponto de trocar a comemoração do Natal pelo aniversário de Noam Chomsky – é algo tão fora da nossa realidade que beira o cômico, ainda assim, como dito no filme “eles conseguiram construir o paraíso fora da República de Platão”. O discurso de Ben no velório pode trazer algumas risadas e a última homenagem a mãe com certeza provocará lágrimas.
Todo esse roteiro, muito bem elaborado, é valorizado por ótimas atuações. Viggo Mortensen abraça com vontade o perfil hippie, natureba, revolucionário, colocando até o corpo para jogo. George MacKay, que ainda não conhecia, impressiona ao conciliar o perfil de alguém muito inteligente, mas sem nenhum conhecimento de vivência em sociedade, em alguns momentos beirando o “esquisitão”.
Samanta Isler e Annalise Basso trazem uma aura de deusas, sábias e fortes. Os pequeninos Shree Crooks e Charlie Shotwell roubam a cena segurando muito bem falas e cenas complexas para suas idades. Frank Langella pouco diz mas muito traz à trama no contraponto à família central. O núcleo formado por Kathryn Hahn, Steve Zahn, Elijah Stevenson e Teddy Van Ee mostram o que seria uma família comum mas, ao ser confrontada pelo núcleo principal, acabam mostrando muitas posições e questões do nosso dia-a-dia que podem ser questionadas.
Quanto aos pontos técnicos do filme a fotografia é leve e sua paleta de cores me remete de alguma forma ao trabalho de Wes Anderson, mas um pouco mais apagado. A trilha sonora é pontual mas incluída nos momentos certos. Logo no começo do filme há uma grande sequência movida pelo silêncio e quando começa a viagem rumo à cidade entra a primeira, e vigorosa, música do filme que muda completamente o ritmo que a trama vinha tendo. Inclusive, boa parte da trilha é composta pelos próprios personagens que a tocam e cantam.
Talvez o mundo não esteja preparado para esse filme e a grande maioria o veja sentindo a necessidade de tomar partidos e “torcer” para um dos lados, ainda assim é uma obra que acredito que deveria ser apreciada por todos.
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