O caminhão de mudança estacionava na rua estreita da casa de Karina. A nova casa, bem maior que a anterior, tinha agora três quartos, uma sala bem grande e uma cozinha maior que muito kitnet de frente para o mar.
Suas duas filhas, Angélica e Manuela, poderiam também aproveitar um quintal enorme que rodeava toda a casa. Aquele final de semana foi de arrumação. Todos os móveis foram montados no mesmo dia, Karina contratara uma equipe para isso. Ela e as filhas somente precisaram colocar as coisas no lugar, uma missão bem difícil.
Após todo o trabalho, as crianças ainda ganharam um quarto para os brinquedos, que não eram poucos. Um espaço bom para elas brincarem em dias de chuva e frio. Elas começaram a arrumar as coisas e descobriram alguns brinquedos até então esquecidos em caixas. Inclusive o unicórnio de pelúcia que Angélica ganhara em um parque de diversões dias antes de mudar. Ela o apelidara de Tino.
Faltava menos de uma semana para o aniversário de Angélica, e Karina queria deixar a casa em ordem para organizar uma festinha. Era noite de terça e as crianças brincavam no quarto, que Karina passou a chamar de Brinquedoteca. Manuela, a mais velha, escrevia em uma lousa, enquanto Angélica conversava com Tino. Karina correu para a Brinquedoteca ao ouvir Angélica gritar.
– O que foi filha?
– O Tino me arranhou – disse Angélica.
– Tino é só um brinquedo de pelúcia, filha!
Karina achou esquisito. O arranhão era realmente profundo e não havia nada próximo a ela que pudesse ter ocasionado o ferimento. Ela questionou Manuela que disse ter ficado o tempo todo na lousa. Após passar um antisséptico no braço da filha, Karina colocou as duas para dormir.
Já era madrugada quando Manuela acordou ouvindo um grito abafado. Sua irmã tinha o hábito de dormir de bruços e também tinha pesadelos com certa frequência. Mas naquele momento ela estava acordada. Angélica estava com o rosto no travesseiro e o unicórnio pressionava as duas patas peludas dianteiras na nuca dela. A menina de debatia. Manuela levantou rápido e empurrou Tino contra a parede. Ele caiu ao lado da cama e ficou imóvel. As duas correram para o quarto da mãe, contaram a história chorando e Karina deixou ambas dormirem com ela.
– Foi só um pesadelo meninas – confortou a mãe.
Na manhã seguinte, Karina abriu a porta e sem perceber chutou o unicórnio que estava no corredor bem em frente ao quarto dela. “Essas meninas são bagunceiras” pensou a mãe enquanto pegava Tino e o colocava na Brinquedoteca. As meninas acordaram, estavam de férias, tomaram café e foram para o quintal. A brincadeira corria solta entre as irmãs quando num dado momento Angélica ficou paralisada olhando para uma das janelas da casa. Era a janela da brinquedoteca e lá estava Tino, observando as meninas pelo vidro. Manuela puxou a irmã e elas continuaram a correria.
O susto da noite anterior fez as meninas ficarem com medo de dormirem sozinhas, ainda mais com Tino. Angélica não queria mais brincar com o bicho de pelúcia. E elas dormiram mais uma noite com a mãe. Karina acordou no meio da noite. Um barulho de algo batendo chamou a atenção. O som vinha da brinquedoteca e ela foi investigar. Abriu a porta do quarto de brinquedos. Tudo estava no lugar, inclusive Tino em cima de uma mesa colorida. Karina percebeu que a janela estava aberta, caminhou até ela e a fechou. Voltou para a porta saiu e a fechou como antes, mas não percebeu que a mesa estava agora vazia.
Karina foi até a cozinha, bebeu um copo de água e voltou para o quarto. No caminho viu a luz do banheiro acesa. Era Manuela. A mãe tentou abrir a porta, que estava encostada, mas não conseguiu. Algo prendia a porta por dentro. Ela chamou por Angélica, porém a criança estava em choque e não conseguia responder.
Angélica chorava e não se movia. O unicórnio caminhava lentamente pela cama em direção a ela. Seus olhos brilhavam e o chifre parecia agora ter uma consistência óssea. Ela tentou levantar e Tino a golpeou com o chifre. A menina caiu da cama e tentou correr para a porta, mas Tino já estava na sua frente tentando um novo golpe. Ela gritou. Karina chamava por sua filha do corredor. O baú que antes ficava em frente à cama, agora impedia que ela abrisse a porta. Angélica tentou sem sucesso ajudar a empurrar o baú, mas estava muito pesado. Um novo golpe de Tino atingiu a menina. Ele acertou a lateral do braço de Angélica. O sangue corria e ela estava curvada chorando. O unicórnio se preparou novamente, a mira era o peito da criança. Ele correu, mas a força de uma mãe para salvar uma filha é maior que tudo. A porta se abriu. Karina chutou o bicho de pelúcia contra a parede, pegou sua filha e correu para a sala.
Desesperada, Karina pediu para Manuela ficar com a irmã, pegou uma faca na cozinha e foi para o quarto. Tino não estava mais lá. Ela ouviu o grito das filhas na sala, correu até lá, mas tropeçou e caiu batendo a cabeça na parede. Enquanto tentava se levantar viu Tino correndo na direção de Angélica, porém sua irmã se colocou na frente antes que ele a atingisse. O bicho de pelúcia refugou. Karina alcançou Tino e fincou a faca no dorso dele. Não ouve grito, sangue ou qualquer tipo de resistência. Ela simplesmente rasgou um monte de espuma, tecido e enchimento. Naquele estado Tino não conseguiria se mover, na verdade não existia mais unicórnio, só um monte de trapos. A mãe juntou todo e queimou no quintal.
Dois dias se passaram, a aproximação do aniversário de 6 anos de Angélica fez com que todas superassem aquela estranha experiência. Tudo estava pronto para a festa que era no dia seguinte. Naquela noite as meninas dormiram no próprio quarto. O relógio marcava 3h. Um homem estava em pé em frente à cama de Angélica. Ela acordou, mas não se assustou. Ele deu um leve sorriso de canto de boca e tirou algo do bolso de seu paletó. A menina que já estava sentada pegou o embrulho.
– Pronto minha querida, eles não conseguiram – disse o homem – Já pode cumprir sua missão – completou enquanto apontava para o embrulho.
Angélica abriu o embrulho de tecido. Era uma adaga. O homem já havia sumido. A menina levantou e foi até a cama da irmã. Fincou a adaga no peito de Manuela que não conseguiu nem gritar, somente deu um suspiro com os olhos arregalados. Angélica puxou o a adaga do peito da irmã, limpou o sangue com o tecido que a embrulhava e foi em direção ao quarto de sua mãe.
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