Não é preciso dizer, mas não custa lembrar a importância do Queen para o rock mundial. Não somente por seu inquestionável valor artístico, mas também por seu fascinante vocalista, dono de uma personalidade que fazia jus à sua grandeza.
Com um alcance vocal raríssimo que rapidamente o colocou entre os maiores intérpretes da história da Música, Freddie Mercury gostava de interpretar o papel de estrela do rock, adotando um comportamento imprevisível que incluía figurinos extravagantes e atrasos frequentes.
Entretanto, o fato de ser, em última instância, uma pessoa comum o incomodava, o que era um prato cheio para os repórteres da época, que tentavam a todo instante extrair algo sobre a privacidade do astro.
Isso já seria o suficiente para render um longa-metragem, no mínimo, interessante. Mas o roteirista Anthony McCarten, por sua vez, mantém as rédeas tão curtas que basicamente acaba cortando as asas de uma história que tinha tudo para decolar.
Quando somos apresentados a Freddie Mercury, por exemplo, mal sabemos sua origem e não demora mais que 5 minutos para que possamos vê-lo à frente do Queen, apelando para uma coincidência tão cinematográfica quanto improvável.
Como se não bastasse, esse imediatismo contagia McCarten até mesmo na construção das sequências que ilustram as gravações dos discos da banda, apelando para uma estrutura que converte o filme numa espécie de documentário musical. Isso não o impede de mudar de rumo completamente em certos aspectos, como ao abandonar a cronologia das músicas afim de guardar alguns sucessos para o clímax, escancarando a vertente formulaica do projeto, que não hesita em utilizar clichês para engrossar a trama e basta imaginar qualquer outra banda no lugar do Queen para perceber a banalidade da coisa.
O que passa longe do formulaico, no entanto, é a atuação de Rami Malek como o protagonista: driblando as diferenças físicas em relação a Mercury, o ator de ascendência egípcia evita a tentação de imitar os trejeitos do cantor, optando por uma composição inteligente que se concentra apenas em sua personalidade.
O que não o impede de capturar os modos de Mercury com espantosa eficiência, chegando ao ápice na sequência que recria o clássico show no Live Aid, onde Malek praticamente se transforma no falecido músico através de uma cuidadosa movimentação em cena e a repetição de gestos famosos.
Malek entrega-se tão intensamente que nem mesmo o diretor Bryan Singer parece resistir ao impulso de admirá-lo, investindo em close-ups que tornam palpáveis a energia e o comprometimento do ator em cena. Singer, vale ressaltar, não chegou a finalizar seu trabalho no filme, sendo substituído por Dexter Fletcher (Voando Alto) após receber várias denúncias de assédio. Essa mudança de estilo, infelizmente, é sentida em Bohemian Rhapsody, que é acometido por uma irregularidade que divide a trama.
Uma divisão que nem sempre ajuda o filme, mas que tem seu ponto alto sempre que uma canção é introduzida. Claro que nesse ponto, a excelência do material gravado pelo Queen tem muito mais méritos do que a equipe técnica do filme, constituindo uma verdadeira montanha-russa de melodias poderosas que jamais deixam de contagiar, sejam pelos divertidos bastidores da gravação da canção-título (que inclui um hilário e brilhante raccord que coloca o trecho “galileo” no lugar do cacarejo de um galo), pela vibração indefectível de ‘We Will Rock You’ ou pela magnética performance de ‘Love of My Life’ no Rock in Rio de 1985.
Essa canção, além de representar um momento emblemático, serve perfeitamente para amarrar a subtrama envolvendo Freddie e sua ex-esposa, que mesmo acertando como ponto de partida para a discussão envolvendo a sexualidade do primeiro, jamais atinge os resultados esperados, visto que o roteiro transmite insegurança ao abordar polêmicas.
Já o terceiro ato, que apela para a recriação do famoso concerto do Live Aid, até impressiona por floreios estéticos que vão desde o soberbo (e obviamente digital) plano-sequência que passeia pela multidão do estádio e ‘invade’ o palco, até movimentos de câmera igualmente impossíveis (a lente chega a passar por baixo de uma cadeira), mas são ofuscados pela artificialidade do fundo verde utilizado para simular a plateia. A sorte é que temos Rami Malek ensandecido em cena nos distraindo ao confundir-se com Freddie Mercury.
Em suma, . Numa definição mais precisa, trata-se de uma cinebiografia genérica, mas com uma trilha sonora matadora. Aqueles que procuram um filme à altura da lenda vão ter que se contentar com o êxtase sonoro. E talvez isso seja mesmo o bastante.
Comments are closed.