À primeira vista, Desmond Doss é um homem comum. Carinhoso com a família e extremamente devotado à esposa, Doss é um sujeito afável e trabalhador , Até o Último Homemmas que se vê obrigado a lutar na guerra depois de acompanhar os acontecimentos de Pearl Harbor e “levar para o lado pessoal” (segundo o próprio).

Ao chegar à base norte-americana, não demora muito até que Doss se destaque entre os demais soldados, cumprindo com notável distinção seus deveres militares. Porém, é na última etapa do treinamento militar que descobrimos quem Desmond Doss realmente é. Ao recusar-se a tocar numa arma, ele não só bate de frente com seus superiores e irmãos de guerra, como também desafia a lógica da Guerra.

Doss acaba num conflito aparentemente paradoxal, mas que na realidade é muito simples. O fato é que Desmond é um cristão do tipo mais raro. O tipo de cristão que despreza hipocrisia, que segue seus princípios com convicção (ou fé) inabalável, não permitindo que seus ideais sejam moldados pelas circunstâncias e, o mais importante, que vai à guerra não para tirar vidas, mas sim para salvá-las.

É uma pena, portanto, que essa incrível história tenha sido adaptada pelos medianos Robert Schenkkan (O Americano Tranquilo) e Andrew Knight (Promessas de Guerra), que transformam Até o Último Homem numa experiência irregular, entrando em conflito com o tradicional estilo de direção de Mel Gibson (e que comentarei mais adiante).

Assim, o filme começa mergulhado numa densa camada de sentimentalismo barato, que fica ainda mais evidente ao observarmos até mesmo a composição de Andrew Garfield, que confere a Desmond uma aura de inocência absoluta enquanto emula um estranho sotaque caipira.

Além disso, a narrativa demora a se recuperar do constrangimento causado pelas cenas que ilustram a vida do protagonista antes da guerra, em momentos tão piegas que quase nos esquecemos que estamos assistindo a uma produção dirigida por Mel Gibson.

O cineasta, aliás, usa todo o seu talento para tentar recuperar o problemático primeiro ato, como ao conseguir chocar o espectador através da acertada aposta numa abordagem mais simples na hora de focar uma briga entre duas crianças. Infelizmente, Até o Último Homem só engrena mesmo quando Doss finalmente encontra seus colegas de farda, quando Gibson mostra-se mais confortável e comanda com segurança as sequências de treinamento.

Nesses momentos, aliás, vale destacar a curiosa presença de Vince Vaughn como o comandante do pelotão, e se sua persona cômica ajuda durante as cenas que se passam na base, acaba atrapalhando irremediavelmente no restante da narrativa.

Já Luke Bracey finalmente tem a oportunidade de se redimir da fraquíssima refilmagem de Caçadores de Emoção, encarnando o soldado Smitty com competência similar à de Sam Worthington (o eterno Jake Sully de Avatar), que não decepciona mesmo tendo pouco tempo de tela. O destaque do elenco secundário, por sua vez, fica com Hugo Weaving (o eterno Agente Smith de Matrix), que confere profundidade a um personagem que poderia facilmente cair na caricatura caso fosse mal trabalhado.

Mas Até o Último Homem não teria sucesso se fosse protagonizado por um ator medíocre, e por isso tem a sorte de contar com Andrew Garfield, cuja entrega ao papel comove e inspira, investindo numa performance firme, carismática e sem se entregar ao exagero, mesmo que durante o primeiro ato seja induzido ao erro pelo roteiro.

Adotando a tradicional “câmera na mão” para mostrar a batalha, o filme tem seus melhores momentos quando a tropa finalmente chega à cordilheira Hacksaw do título original, causando impacto desde a escalada dos soldados (quando são surpreendidos por uma chuva de sangue) até os chocantes planos que exibem vísceras expostas e corpos mutilados no campo de batalha, quando Mel Gibson enfim pode se entregar à sua famigerada violência.

E por falar nela, o trabalho de maquiagem da produção é louvável, sendo espantoso o grau de realismo atingido, transformando o filme numa experiência recomendada apenas para os mais tolerantes.

O excesso de computação gráfica também incomoda em alguns momentos, principalmente nos planos abertos e na natureza artificial de determinadas explosões. Mas no geral, a batalha principal é brilhantemente executada por Mel Gibson e o montador John Gilbert, chegando ao ápice nos instantes em que a trilha sonora deixa de ser genérica para ajudar a criar uma impressionante atmosfera de tensão. Assinada pelo fraco Rupert Gregson-Williams, a trilha sonora insiste num tom grandioso que só ressalta a natureza clichê dos seus acordes.

Tratando as mulheres como meros apoios, Até o Último Homem também é maniqueísta ao contar sua história do exclusivo ponto de vista estadunidense, convertendo os japoneses em monstros cruéis e impiedosos que sequer possuem falas, uma postura que não encontra reflexo em outras obras mais eficazes como Cartas de Iwo Jima, de Clint Eastwood.

A impressão que fica, ao final, é que Até o Último Homem será mais lembrado pelo bem-vindo retorno de Mel Gibson à cadeira de diretor do que pela qualidade do filme em si, que apesar de estar longe de ser considerado ruim, também está muito aquém do potencial de sua extraordinária história.

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Crítico de Cinema e Carioca. Apaixonado pela Sétima Arte, mas também aprecia uma boa música, faz maratona de séries, devora livros, e acompanha futebol. Meryl Streep e Arroz são paixões à parte...

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