Vivemos uma época cinzenta. Em várias formas. Estamos atolados numa areia movediça representada por brigas políticas (leia-se radicalismo exacerbado), problemas econômicos e valores desvirtuados. Em meio a isso tudo, chega um filme para nos lembrar que antes de mais nada, somos todos seres humanos. E talvez o maior acerto de Antes o Tempo Não Acabava seja justamente a decisão de evitar o caminho fácil das polêmicas (trata-se da história de um índio em busca de liberdade, afinal), driblando a política para se concentrar no indivíduo.
Contando com cenas inteiramente faladas em dialetos indígenas por um elenco composto majoritariamente por Índios, a produção centraliza-se nos dilemas enfrentados pelo jovem Anderson (o indígena Anderson Tukune), estimulando bons debates sobre o lugar do Índio na Sociedade moderna, mas indo ainda mais fundo, quando se concentra no desenvolvimento do protagonista, retratado sem muito tato pelos realizadores Sérgio Andrade e Fábio Baldo, mas compensado pela força da interpretação de Anderson Tukune.
Tomado por inúmeros conflitos internos, Anderson é motivado, mas também se vê envolvido pelas consequências de embates eternos, como o Moderno X Tradicional, o Liberal X o Conservador e o mais humano dos conflitos: A busca pela identidade. Nesse sentido, a atuação de Tukune é fundamental para gerar empatia no espectador, oferecendo uma performance que funciona precisamente por ser contida, o que não lhe impede de se entregar a momentos de maior vivacidade, como no íntimo instante em que Anderson, num momento de descontração, dança em frente a um espelho.
Pecando através de uma montagem pouco inspirada e que abusa dos raccords sonoros, a produção mal consegue esconder seu orçamento limitado, mas tenta (com considerável êxito) equilibrar sua irregularidade técnica com um roteiro sensível (de Sérgio Andrade) e que pode ser encarado como um fascinante estudo de personagem, ao mesmo tempo em que reflete uma época em que uma mera antítese já surge como um gatilho para uma discussão. Porém, verdade seja dita, o foco da narrativa não é a reflexão acerca de temas filosóficos ou questões sociológicas, ainda que sirva como um belo incentivo para tal, e sim o ser humano por trás dos questionamentos feitos, o que não deixa de ser admirável.
Também digna de aplausos são as locações, que servem perfeitamente à trama e são bem complementadas pela boa direção de arte de Oscar Ramos, que é particularmente eficaz na composição da casa de Anderson, cuja decoração praticamente inexistente corrobora sua situação econômica enquanto mostra que suas raízes indígenas continuam fortes em sua personalidade, como fica evidente em seu hábito de dormir numa rede.
Ora literal em seus simbolismos (o índio simpatizante da tecnologia), ora mais sutil (os gritos de liberdade à margem do rio no terceiro ato), Antes o Tempo Não Passava é uma obra cativante e tematicamente rica, que consegue envolver o espectador apesar da condução relativamente fria de seus diretores, e cujo maior triunfo é representar uma verdadeira ode à liberdade.
E em tempos nebulosos como o que vivemos, uma obra que valorize a liberdade (seja ela sexual, de crença, ou simplesmente de escolhas), já merece elogios.
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