acesso venoso soroHospital Central, 22h30min.

– Boa noite, Sr. Mauro, está na hora de coletar seu sangue para análise – disse o enfermeiro Paulo com um sorriso no rosto.

– Boa noite só se for para você. Afinal, quem será furado aqui? – respondeu Mauro, com um tom irritado.

Mauro estava internado há duas semanas. O acesso do soro, na mão esquerda, já fora colocado novamente, uma vez que na mão direita sua veia sempre estourava. Ele tomava injeções constantes para o seu tratamento e, como estava com o acesso do soro ocupado com medicação, o enfermeiro teve que pegar sua veia do outro braço para tirar o sangue.

– Cara! Eu tenho pavor de agulha, estou me superando a cada dia aqui. Acho que cometi algum pecado e agora estou pagando – falou Mauro com a voz embargada.

– Relaxe, Mauro, é só uma picadinha – sorriu mais uma vez Paulo.

– Relaxar? Fale-me uma coisa da qual você tenha medo, e eu a farei repetidas vezes pedindo para que fique calmo.

– Eu sei que é ruim, mas, se não relaxar, pode doer mais. Prometo tomar cuidado e ser rápido.

– Como assim promete? Quer dizer que o padrão não é tomar cuidado e ser rápido? Vai fazer isso só porque eu tenho medo de agulha e estou reclamando?

Paulo riu bem alto enquanto preparava seu equipamento.

– Claro que eu sempre tomo cuidado e tento ser o mais breve possível, é só uma forma de falar. Quero deixar você calmo.

– Quer mesmo? Vá embora e não me espete nada – disse Mauro, sorrindo também.

– Viu? Você já relaxou, agora feche a mão e aperte.

Paulo iniciou o processo colocando uma fita de nylon para o garrote. Ele não usava aqueles tubos de látex conhecidos como tripa de mico, – o que foi um alívio para Mauro – em seguida foi apertando delicadamente o braço para encontrar a veia. Esse momento deve ser o mais angustiante para quem tem medo, ele antecede o inevitável. Assim que localizou, fez a punção. A agulha entrou de forma certeira, perfurando a pele, a veia e enviando o sinal para o cérebro.

Mauro reagiu com um pulo, fechou os olhos, rangeu os dentes e começou a suar frio. Com o adaptador espetado, Paulo colocou o tubo de coleta fazendo o sangue escuro pulsar para o mesmo. O procedimento foi repetido por mais três vezes enquanto ele olhava para o paciente com uma mescla de dó e admiração. A fita do garrote já fora retirada e o comando para abrir a mão também já fora dado. Mas, para Mauro, aqueles instantes eram eternos. Seu coração estava acelerado e suas pernas começavam a formigar. Como nossa mente é poderosa.

– Pronto! Viu? Nem doeu – disse Paulo, também aliviado.

Mauro não respondeu, somente segurou o algodão como fora pedido e lançou um olhar de ódio devido a piada sem graça.

Esse e outros procedimentos ocorreram durante aquela semana. Mauro estava cansado, debilitado e seu tratamento não funcionava como os médicos gostariam. Ele estava morrendo. A esperança não habitava mais o coração de Mauro, que a cada dia entrava, sem volta, em um quadro de depressão.

– Por que eu não morro logo? Assim eu posso descansar e me livrar deste inferno de mundo – desejava Mauro em voz alta.

E assim aconteceu, mas não como ele imaginava. Era tarde da noite e Mauro estava murmurando novamente. Porém dessa vez seu nome aparecera na lista do mensageiro da morte, que o visitou naquela madrugada. As luzes piscaram e um chiado de interferência era o único som quando Mauro acordou de súbito. Ele olhou para todos os lados e percebeu que seu medicamento ligado ao soro acabara. O sangue voltava pelo acesso e subia pela mangueira. Ele entrou em pânico quando viu aquela cena e começou a chamar pelo enfermeiro.

– Olá! Alguém pode me ajudar? – gritava enquanto apertava desesperadamente a campainha. Até que a porta se abriu.

– Pois não, sr. Mauro, o que deseja? – disse a enfermeira que entrou no quarto.

Não era uma enfermeira qualquer, ela era linda, com um corpo escultural e seu uniforme não era como os das demais enfermeiras que já o havia atendido. Aliás, Mauro percebeu que aquela funcionária nunca o atendera. A saia do seu vestido era mais curta e ele conseguia ver que a meia calça branca que ela usava esta presa a uma cinta liga. O decote também era maior e os seios fartos da moça chamavam mais atenção do que o material que ela trazia. Suas unhas estavam pintadas com um vermelho bem escuro, algo que definitivamente era proibido em um hospital, e o batom que ela usava também chegava próximo ao mesmo tom, o vermelho do sangue dele.

– Você é nova aqui? Por favor, me ajude rápido, veja o que aconteceu – disse Mauro, mostrando o braço e olhando para o lado oposto.

– Relaxe, darei um jeito nisso.

– Seja breve, está doendo muito não aguento mais isso. Como eu gostaria que isso tudo acabasse.

– O que você quer que acabe? Eu vim aqui para fazer o que você desejar.

– Sabe, já cheguei ao meu limite, minha doença não tem cura e não quero mais viver nessa agonia. Quero descansar em paz.

– É nisso que você acredita? Que morrendo irá descansar em paz? Acredita mesmo que vai para o céu?

– É claro que descansarei. Quando morremos, tudo acaba. Eu acho que já paguei por tudo que fiz na vida em cima dessa cama com essas agulhas em mim. Tenho pavor disso e não vejo nada pior.

– E se você for para o inferno e sofrer por toda a eternidade?

– Faça um favor para mim. Como é seu nome mesmo?

– Samantha.

– Pois bem Samantha, dê logo um jeito nessa coisa aqui no meu braço e não me venha com papo furado sobre céu e inferno.

A enfermeira sorriu e continuou a preparar suas coisas. Seu olhar sensual distraía Mauro que não percebia que o equipamento era diferente daqueles que já foram usados. Ela retirou o acesso, limpou o local e pegou uma nova agulha. Era uma agulha muito mais grossa, talvez até um pouco mais grossa do que aquelas usadas para doação de sangue, e estava ligada a uma bolsa.

– O que você está fazendo? Por que essa agulha tão grossa? Agora entendi por que mandaram uma enfermeira gostosa me atender. Querem que eu me distraia com seus peitões enquanto você acaba com a minha raça com essa maldita agulha que parece um canudo de milk-shake.

– Mauro, as coisas mudaram, você pediu por isso.

– Pedi o quê? Para uma stripper me excitar enquanto continuam me torturando com meu maior medo?

– Você está nervoso, isso é normal no começo, mas logo se acostumará.

Samantha pegou o braço de Mauro. Ele tentou, mas não conseguiu puxar, ela era bem forte. Os olhos delas praticamente brilhavam, eram de uma cor verde hipnotizante. Ela colocou a mão dele entre as pernas, como se montasse em seu braço. Mesmo percebendo que ela não usava uma calcinha, Mauro não sentia um pingo de prazer. Com a mão esquerda ela apertou o braço dele fazendo o papel de um garrote.

Suas unhas fincaram alguns milímetros na pele do pobre paciente. Ela trazia na mão direita a agulha. Mauro não conseguia movimentar o braço, suas veias saltaram – era possível sentir o sangue pulsar. Samantha, então, introduziu o acesso, de forma certeira, como toda boa enfermeira. A agulha entrou, fazendo o sangue pulsar pela mangueira e chegar até a bolsa. Ela soltou a mão esquerda do braço dele e acariciou seus cabelos, deu um sorriso bem malicioso e uma piscadinha ao mesmo tempo em que fazia um movimento bem sutil de vai e vem na mão de Mauro que estava entre suas pernas.

– Pronto! Já foi, agora é só aguardar.

– Aguardar o quê? Por que está tirando meu sangue?

Mauro tentou gritar, mas sua voz não saía. Estava a ponto de desmaiar, mas, estranhamente era como se no momento de apagar ele voltasse a si. A sensação de agonia aumentou quando ele começou a ver o seu sangue na bolsa, esse era outro medo dele: sangue. Não podia ver, mesmo em filmes, era algo que trazia desde criança.

Tudo parecia muito estranho, ele não entendia o que estava acontecendo. A bolsa já estava quase cheia, quando Samantha a desconectou do acesso. O sangue de Mauro ainda escorria pela mangueira do acesso quando a enfermeira começou a abrir o vestido revelando seu corpo nu. Samantha estava somente de meia calça e cinta-liga quando colocou a bolsa na boca e começou a beber o sangue Mauro. A quantidade era tão grande que escorria pelo canto da boca e descia pelo seu corpo escultural que começou a mudar. Mauro estava quase vomitando assistindo aquela cena, as luzes se apagaram e só o brilho da lua iluminava o quarto pela janela, que abriu com um vento violento.

As pernas da enfermeira começaram a engrossar, rasgando a meia e a cinta, o sapato alto se partiu quando os pés também começaram a crescer, suas unhas se alongaram e agora eram de uma cor cinza escuro. Asas surgiram das suas costas, seus dentes cresceram como os de um vampiro e chifres se revelaram na sua cabeça. Nesse momento a enfermeira Samantha não estava mais ali e sim um ser abominável que pulou por cima de Mauro.

– Sai de cima de mim demônio! – gritou Mauro.

– Sua alma já é minha e agora vou me alimentar do seu sangue – respondeu o ser com uma voz grave e rouca.

– Por favor, me deixe em paz! – continuava a gritar Mauro, mas agora com um tom de fraqueza.

– Bem vindo ao seu novo lar, você pediu e eu estou aqui, sua vida se foi, e agora você vai pagar seus pecados eternamente no inferno.

Mauro ficou imóvel, não conseguia movimentar um músculo sequer, enquanto, dos pulsos do ser, surgiam protuberâncias semelhantes a agulhas. Ele não acreditava naquilo, as agulhas agora eram ainda mais grossas e, quando começaram a entrar no seu braço, rasgaram sua pele. Era como ser queimado por fogo. Mauro sentia o sangue sendo sugado pelo ser, que se extasiava. Aquela sensação horrível durou alguns minutos que pareceram uma eternidade e o deixavam cada vez mais fraco. Mas ele não desmaiava, até que o ser puxou rápido e brutalmente as agulhas dando um pulo para trás.

– Você agora me pertence, sua agonia será eterna, eu voltarei sempre.

Mauro enfim desmaiou e, quando acordou de súbito, tudo estava no mesmo local novamente, inclusive o seu acesso venoso com o sangue voltando por ele devido ao término do soro. Ele apertou o botão para chamar alguém, a porta se abriu e Samantha entrou.

Passava das 8 horas quando Paulo chegou para seu plantão. Ele foi para o quarto de Mauro, que era o primeiro quarto do corredor. Ao entrar, a enfermeira chefe de plantão já estava lá, juntamente com um médico. Ambos conversavam enquanto um auxiliar de enfermagem cobria o corpo de Mauro.

– Qual foi a causa? – perguntou Paulo.

– Infarto fulminante. Curioso como ele pode ter entrado em óbito devido a isso. Não tinha a ver com a doença – respondeu o médico.

– Pelo menos descansou – completou Paulo.

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Professor por paixão. Analista de TI pela situação. Quando escrevo, me divirto. Adoro filmes e livros de terror (especialmente Stephen King). Amo viajar e sou louco por montanhas russas.

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