Em A Prece, O jovem Thomas (Anthony Bajon) é viciado em heroína e, após uma overdose (e sem ter parentes próximos) acaba sendo mandado para um centro de reabilitação católico ao pé das montanhas do centro-leste francês.Festival do Rio Lá, ele acaba descobrindo que há todo um universo povoado de pessoas interessadas em ajudar, querendo seu bem-estar. Vivendo como alguém desacostumado a gentilezas, Thomas experimenta um choque de realidade que aos poucos vai introduzindo a Fé em sua vida.

Oferecendo uma performance absolutamente magnética, Anthony Bajon confere diversas camadas a Thomas, soando inocente e de coração bondoso, ao mesmo tempo que rude e imaturo em suas ações (e seu olhar cortante muitas vezes é o que basta para sentirmos sua aflição). Com dificuldades em resistir à tentação das drogas, Thomas inicialmente reluta e até foge daquela que se apresenta como uma situação completamente nova, o que o cega para as virtudes do centro. O roteiro merece créditos pelo elaborado arco dramático de Thomas, mas é mesmo Bajon que torna o personagem tão rico e fascinante. 

Retratando o centro de reabilitação como um local de recuperação física, psicológica e, principalmente, espiritual, A Prece não economiza nas frases panfletárias, mas coloca o próprio Thomas para combatê-las criticando e até ridicularizando-as. Inteligente, esse artifício serve para desarmar qualquer interpretação tendenciosa. Mesmo com evidente inclinação religiosa, ao menos a produção permite contestações.

Porém, no terceiro ato, a dramaturgia e a espiritualidade entram em choque, quando num incidente crucial para o arco dramático de Thomas, o roteiro abre espaço para o intangível, possibilitando uma solução sobrenatural que simplesmente tira a credibilidade de uma jornada que tinha tudo para ser finalizada com sucesso. Assim, ao descambar de vez para o lado religioso, a produção afasta os méritos de Thomas, atribuindo sua recuperação a fontes externas.

Apesar de enfraquecer seu protagonista em seu terço final, A Prece é um filme que merece elogios pela forma sempre econômica com que fornece informações ao espectador, evitando diálogos expositivos organicamente, como na primeira cena de Thomas. A trilha sonora também ganha pontos por optar não comentar a narrativa, atuando de forma discreta e apenas pontual. 

Beneficiando-se de simbolismos que enriquecem a narrativa (a ideia de trabalhar para se redimir, o buraco que deve ser cavado ou a caminhada pela montanha), A Prece funciona melhor quando a aproximação com o intangível não passa do flerte, e mesmo quando se entrega a canções de louvor, não chega a soar tão artificial como em suas escolhas finais, quando a religião interfere fatalmente no melhor elemento do roteiro: seu protagonista.

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Crítico de Cinema e Carioca. Apaixonado pela Sétima Arte, mas também aprecia uma boa música, faz maratona de séries, devora livros, e acompanha futebol. Meryl Streep e Arroz são paixões à parte...

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