Lenda das artes marciais (mais precisamente do Kung Fu), Bruce Lee, ambicioso e dotado de um carisma inigualável, sempre esteve destinado ao estrelato. Conhecido pelo estilo implacável e pelos gritos agudos, Lee já foi capaz até mesmo de derrotar outro nome importante das lutas: Chuck Norris. E se, enquanto vivo, conseguiu deixar sua marca, tornou-se uma lenda após sua precoce morte. Mas A Origem do Dragão não está muito interessado em contar sua trajetória, concentrando-se apenas no recorte temporal centralizado em seu grande combate com Wong Jack Man (Xia Yu, correto), em 1964 (9 anos antes da grande estreia de Lee nos cinemas, com Operação Dragão).
Deixando claro desde o início suas intenções, A Origem do Dragão apresenta um Bruce Lee diferente, pouco antes de estourar como o ícone que virou. Arrogante, ganancioso, exibicionista e extremamente egocêntrico, o Lee Jun-Fan (seu nome verdadeiro) vivido pelo incrivelmente esforçado Phillip Ng, é uma pessoa cujo único aspecto positivo aparente é seu talento inquestionável como lutador de Kung Fu.
E o diretor George Nolfi (do bom Os Agentes do Destino) é corajoso ao focar nesse lado sombrio de Lee, mas tomando o devido cuidado para não aproximá-lo de uma figura vilanesca. Claro que grande parte desse mérito vai para Phillip Ng, que trabalha duro para conferir charme, simpatia (e até uma leveza) a seu Lee, o que revela-se fundamental para nos importarmos com seu personagem. Com boa presença de cena (mesmo tendo menos de 1/5 do carisma do Bruce Lee real), Ng também faz bonito nas sequências de luta, dando-se ao luxo de até mesmo soltar os famosos sons agudos de sua inspiração.
Infelizmente, porém, o roteiro (também de autoria de Nolfi) não é capaz de justificar um longa-metragem: claramente interessado no potencial comercial de sua produção, Nolfi tenta desesperadamente justificar as cenas de ação presentes, mal conseguindo esconder que sua verdadeira intenção é colocar Bruce Lee no maior número possível de sequências de ação. É uma pena, portanto, que a subtrama concebida para costurar as várias lutas, seja tão frágil, apostando num artificial e gratuito romance relâmpago capitaneado pelo norte-americano Steve McKee, papel do fraco Billy Magnussen (do excepcional A Grande Aposta)
Para piorar, o Arco dramático de Bruce Lee é ainda mais mambembe, forçando uma evolução que nos obriga a acreditar que os personagens realmente mudaram, mesmo que não tenhamos tempo suficiente para comprar a idéia. Por outro lado, Xia Yu encarna o Mestre Wong Jack Man abraçando o mais batido dos estereótipos, conferindo a ele a apropriada (mas nada original) personalidade pacata e sábia que tanto já apareceu nos cinemas, saindo-se consideravelmente melhor nas sequências de luta.
Que, diga-se de passagem, o filme faz bonito. E se não impressiona, tampouco decepciona, investindo numa montagem que privilegia muito mais o combate fluido e compreensível, do que o caótico e confuso tão comum em produções do gênero. Elogios também devem ser concedidos ao próprio cineasta George Nolfi, que filma as lutas sempre com a preocupação de nos fazer entender a geografia da cena, o que permite ao espectador apreciar toda a ótima coreografia do veterano Corey Yue, (cujo extenso currículo cinematográfico inclui, por exemplo, Carga Explosiva), falhando pontualmente ao manter a câmera concentrada num ponto só por mais tempo do que deveria, o que gera o efeito colateral de escancarar que os atores, obviamente, sequer se tocam.
Já a trilha sonora de H. Scott Salinas e Reza Safinia (mais conhecidos pelas produções voltadas para o home video) captura bem a essência dos filmes shaolin, compondo melodias que ajudam a construir toda a atmosfera necessária, tomando a liberdade também de incluir trechos de rock nas lutas mais intensas, o que também revela-se acertado. Sofrendo com o baixo orçamento, o design de produção de David Brisbin (Caçada Mortal) acaba por tomar a compreensível decisão de contentar-se apenas com o básico, o que, pelo bem ou pelo mal, não compromete a narrativa, como podemos constatar pelo alto número de cenários que são filmados em ângulos mais fechados.
Pecando no terceiro ato ao, inacreditavelmente, atirar Bruce Lee para lutar com dezenas de gângsters de Chinatown (!), num momento bizarro em que a figura real torna-se um (absurdo) personagem, A Origem do Dragão é um filme modesto que tenta, aos trancos e barrancos, criar desculpas para que possamos testemunhar, mesmo que através de outro ator, lampejos do talento e do carisma que fizeram de Bruce Lee, a lenda que é hoje. E conhecer seu lado sombrio antes da fama ainda serve como um bônus.
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