Cheia de prestígio com os cinéfilos e com a imprensa, Jessica Chastain alcançou um status que nem mesmo estrelas jovens e talentosas como Jennifer Lawrence e Brie Larson A Grande Jogadapodem se orgulhar de possuir. Mesmo sem a láurea de um Oscar ou a predileção de paparazzis, a californiana de 40 anos permanece em voga, graças exclusivamente à sua competência, o que a coloca facilmente entre as atrizes mais talentosas da atualidade.

Indicada ao Oscar duas vezes consecutivas e dona de cinco nomeações ao Globo de Ouro (com uma vitória por ‘A Hora Mais Escura’), Chastain mais uma vez oferece uma grande performance, mas segue sendo preterida, e o filme da vez é ‘A Grande Jogada’ (Molly’s Game), que não tem força para acompanhá-la. Depois de ‘Histórias Cruzadas’, ‘Armas na Mesa’ e ‘O Zoológico de Varsóvia’, eis mais um caso em que a atuação de Jessica Chastain é muito superior ao próprio longa-metragem.

Dono de uma verborragia marcante e que lhe rendeu um Oscar com ‘A Rede Social’, o respeitado roteirista Aaron Sorkin estréia na direção mostrando tudo o que aprendeu com David Fincher, sua inspiração mais evidente. Empregando um estilo que frequentemente remete aos trabalhos do cineasta (principalmente o supracitado ‘A Rede Social’), Sorkin concebe um filme ágil, envolvente, investindo em diálogos tão rápidos quanto os cortes aplicados pela frenética montagem, mas ao preocupar-se tanto com o estilo, termina deixando de lado a substância.

E esse desequilíbrio é o que desmonta ‘A Grande Jogada’, pois se Sorkin é competente ao criar uma estrutura que mantém o ritmo acelerado, ao mesmo tempo acaba se sabotando, já que a estratégia de adiar a conclusão de seus conflitos em prol do desenvolvimento singular da trama, mostra-se, no mínimo, questionável, permitindo uma especulação acerca das próprias intenções de Sorkin como roteirista. Ora, analisando friamente, por mais fascinante e empolgante que seja, é impossível não perceber que tudo gira em torno de um conflito inóquo e que é conduzido da forma mais desleixada possível por Sorkin.

O resultado é uma experiência irregular, pois se é capaz de arrebatar o espectador com dois ótimos atos, seu clímax chega com uma queda brusca de qualidade e que é sentida no próprio ritmo da narrativa, que ganha uma cadência lenta. É clara a impressão de que o diretor/roteirista só tinha o domínio de dois terços de sua história, justificando a apressada, capenga e, por fim, desastrosa solução dos conflitos de sua protagonista, que é relegada a um momento constrangedor onde é abordada para, literalmente, expor tudo aquilo que o roteiro já havia deixado claro.

O que não impede que Jessica Chastain brilhe intensamente: agigantando-se em absolutamente todas as suas cenas, ela compõe Molly Bloom como uma mulher forte, determinada e destemida, que sabe exatamente o que quer e como quer, não medindo esforços para executar seus planos. Dona de um carisma invejável, Chastain exibe uma presença de cena ainda mais impressionante, eclipsando até mesmo o excelente Idris Elba (do esquecível ‘A Torre Negra), que tem poucas chances de dominar o espaço, contentando-se com uma bela sequência, já no terceiro ato, onde toda sua competência fica evidente.

Porém, mesmo com seus tropeços, seu primeiro trabalho como diretor não chega a ser ruim, já que o cuidado com alguns detalhes denota um realizador com potencial, o que fica claro, por exemplo, ao colocar o personagem de Elba no mesmo espaço de Molly, mas com uma distância considerável e consciente, rendendo também um bom diálogo. Aliás, uma das maiores virtudes de ‘A Grande Jogada’ reside mesmo em seus diálogos: cada vez que Molly abre a boca, não só temos a certeza de que ouviremos algo sagaz, como também ficamos ansiosos pela réplica e, tratando-se de Aaron Sorkin, não nos decepcionamos.

Ganhando contornos de ‘filme de pôquer’ durante o segundo ato, a produção não hesita em mergulhar de cabeça no universo da ‘Princesa do Pôquer’ (como Molly fica conhecida), empregando termos técnicos, mas esclarecendo com um didatismo nada exagerado. Também pudera, isso é o mínimo que poderia ser feito para contar a história real de uma mulher que opta por deixar de lado a faculdade de direito para organizar lucrativos jogos com ricaços e celebridades.

Resumindo, ‘A Grande Jogada’ é um filme que toma de assalto a atenção do espectador, investindo num ritmo alucinante de diálogos e cortes, mas que revela uma decepcionante falta de inspiração por parte de seu realizador que, sem o menor lampejo de brilhantismo, resolve concluir sua história da forma mais apressada possível e mandando o espectador para casa com um punhado de “lições” que poderiam ser aprendidas com um livro de auto-ajuda. Caso mantivesse a qualidade apresentada nas duas primeiras horas, ‘A Grande Jogada’ não só poderia figurar entre os principais concorrentes da atual temporada de premiações, como também poderia ter reduzido as chances de sua estrela principal ser mais uma vez esquecida.

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Crítico de Cinema e Carioca. Apaixonado pela Sétima Arte, mas também aprecia uma boa música, faz maratona de séries, devora livros, e acompanha futebol. Meryl Streep e Arroz são paixões à parte...

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