Eu acompanho o Mistiras desde seu nascimento em 6 de Janeiro de 2012.
O site foi concebido como um projeto de quatro anos de pesquisa de Ary Santa Cruz Netto, que, até aquele momento, era estudante de jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco.
O objetivo de Ary era realizar o seu sonho de produzir e viver de quadrinhos, elaborando tirinhas e personagens, os mais diferentes possíveis, e criando um estilo.
Seis meses antes de o site iniciar, ele trabalhou com a desenhista Mariana Netto, que infelizmente precisou se ausentar do projeto, dando lugar, surpreendentemente, a Luciano Félix, quadrinista profissional e que trabalhou na Graphic Novel MSP 50, da Mauricio de Sousa Produções, e na revista de humor MAD.
Mistiras é um sucesso com visitas diárias de quase mil visualizações, e duas séries bastante reconhecidas: ‘Marco Parlla – O Dublador’ e ‘Um Teco’.
Marco Parlla – O Dublador fala sobre o dia a dia de um profissional da arte da dublagem, seus trabalhos, lazeres e vida privada. É uma série que fala não só sobre a nostalgia que a dublagem trás, como também uma defesa a esse trabalho tão importante para um povo, e tão pouco reconhecido hoje em nosso país.
Um Teco é uma paródia com a série de animação e quadrinhos japoneses One Piece, e fala sobre um grupo de cangaceiros atrás do ‘Um Teco’, tesouro deixado pelo lendário Virgulino D. Silva.
Entrevista com Ary Santa Cruz Netto e Luciano Félix – MISTIRAS
Emerson Lara (Central 42) – Ary, você disse que seu objetivo, que culminou no Mistiras, era de produzir e viver de quadrinhos. Como está esse objetivo? Foi alcançado ou ainda falta para conseguir?
Ary: Eu diria que estou vivendo 50% do sonho. Começar um trabalho de quadrinhos no Brasil é difícil, porque o público normalmente rejeita algo novo que não seja imediatamente identificável. Além disso, há a questão de ter determinação o suficiente para seguir em frente e não desistir, mesmo com todas as adversidades. Então, respondendo melhor a pergunta: eu estou produzindo quadrinhos e sobrevivendo deles, mas ainda não vivendo. Mas estamos chegando lá.
Émerson – No Mistiras vemos temas cotidianos e do mundo pop/nerd em uma visão divertida e original, e dos personagens criados, como Marcos Parilla, Um Teco, Angúria. A ideia do Mistiras, na sua concepção, sempre foi essa que vemos atualmente?
Ary: Muito obrigado. Sim, essa sempre foi a ideia: criar algo original e diferente na medida do possível. Sempre achei que, se fosse para fazer o que todo mundo faz, eu não roteirizaria quadrinhos. Eu quero reinventar a roda, escrever sobre personagens e histórias diferentes, fazer meu público pensar e se divertir no processo. Esse é o desafio.
Émerson – Como aconteceu a parceria entre vocês?
Luciano: Fazíamos parte da Pada (Produtora Artística de Desenhistas Associados), eu já há algum tempo, ele mais recente. Numa troca de e-mails no grupo online ele falou do seu desfalque no seu recém lançado blog Mistiras. A menina que era a desenhista acabou tendo que sair e o Ary estava à procura de um novo artista. Eu nunca tive muita desenvoltura pra ficar administrando trabalhos periódicos, apesar da vontade e vi uma oportunidade nessa parceria. Isso me ajudou a não ser esquecido por quem já me conhecia e a ficar conhecido por um novo público.
Émerson – Os roteiros são sempre criações do Ary ou o Luciano também contribui para isso?
Ary: Os roteiros são sempre criações minhas, mas isso não significa que Luciano não possa contribuir com ideias. Como um roteirista que não desenha minhas próprias histórias, eu entendo que o desenhista não tem como saber plenamente o que se passa na minha cabeça, por mais detalhado que seja o roteiro. Então, como um trabalho feito a duas mãos, é normal que Luciano as vezes dê o seu toque pessoal, sugerindo novas expressões e easter eggs nas Mistiras. De qualquer forma, nosso trabalho é bem orgânico e nunca tivemos uma discussão negativa ou diferenças grandes de pontos de vista, sempre conversamos, nos entendemos e agilizamos o trabalho o máximo possível.
Émerson – Depois de 3 anos de atividades, como está no momento o reconhecimento do Mistiras e, por que não perguntar também, de vocês com este trabalho?
Ary: É engraçado, mas as vezes eu ainda me surpreendo com algumas coisas. Não é incomum ir para um evento e ver alguém usando alguma camiseta do nosso trabalho, ou apoiadores da Sociedade Secreta do Mistiras, que é como chamamos nosso Patreon, nos falem sobre amigos que gostam de nosso trabalho.
Ano passado conhecemos Sidney Gusman, Vitor Cafaggi… já conhecemos o pessoal do MdM (Melhores do Mundo), Omelete, Catia Ana, Petra Leão, Marcelo Cassaro, e todos conhecem/acompanham nosso trabalho na medida do possível. O Dublador Guilherme Briggs é fã do Mistiras, o que também é incrível… imagina uma pessoa que te inspirou tanto quando pequeno hoje dizer abertamente que é seu fã? É bom demais!
O êxito de nosso projeto no Catarse com o Mistiras Volume Um abriu portas para palestras e contribuiu para que Luciano lançasse seu “Wander, Herói Porque sim!”, que ele já queria lançar a anos. O Mistiras e obviamente minha parceria com Luciano também contribuíram para que conseguisse meus primeiros trabalhos como roteirista na Revista MAD, que devem sair nos próximos meses.
Émerson – Em 2013, vocês lançaram a primeira compilação do Mistiras. Existe um novo projeto para novas compilações, ou até algum outro produto com a marca Mistiras?
Ary: Sim. No momento em que escrevo essas linhas, Luciano está trabalhando, na medida em que seu tempo permite, na diagramação do Mistiras Volume dois. A intenção era começar um novo projeto no Catarse ainda esse ano, mas isso requer planejamento para que a coisa seja feita direito. Também planejo encadernados para cada série do Mistiras, como Marco Parlla e Angúria.
Émerson – Os leitores do Mistiras comentam sobre as tiras, dando opiniões, sugestões, críticas?
Ary: Sim, de forma direta ou indireta. E-mails e comentários nas postagens do site e Facebook sempre são lidos. Sempre leio todo o feedback possível para saber por onde direcionar o projeto.
Émerson – Já fizeram alguma tira que acharam polêmica e não publicaram, ou vocês fogem desses assuntos?
Luciano: Engraçado é que recentemente cheguei a contestar uma tira que o Ary bolou, mas depois que eu entendi a ideia, segui em frente. Algumas ideias dele não me dizem muita coisa de imediato porque sou de uma geração anterior à dele e, por eu não ser um nerd nível 10, às vezes uma tira trata de algum personagem de que não estou familiarizado, mas acaba sendo uma maneira de conhecer as coisas novas que não acompanho.
Émerson – Marco Parlla é o personagem que faz muito sucesso, entre os leitores e entre os profissionais da dublagem nacional. Como surgiu essa ideia? Os dubladores já deram feedback sobre ele?
Ary: Criei o Marco Parlla nos primórdios do Mistiras. Originalmente seu nome seria “Marcos, O Dublador”. “Parlla” foi contribuição de Luciano, que queria sugerir um sobrenome que fosse relacionado a comunicação. Ele sugeriu Speaker, Habla, um sobrenome em francês e Parlla… na hora eu achei perfeito. Marcos virou Marco quando, na primeira tira, sem querer Luciano escreveu o nome do personagem sem o “s” no final e terminamos deixando, porque a sonoridade parecia melhor.
Quanto ao design, eu pedi para que Luciano se inspirasse fisicamente no Guilherme Briggs, mas que ficasse livre para criar. Como resultado nosso querido dublador ganhou uma imagem totalmente diferente. Alguns leitores o acham parecido com o Jovem Nerd, inclusive. Diretamente, nenhum dublador deu, ainda, algum feedback sobre o personagem, mas conheço alguns que conhecem e gostam dele: o Alexandre Moreno, Tânia Gaidarji, Márcio Simões, entre outros. Como algumas tiras do Marco são baseadas em casos que acontecem com dubladores, podemos dizer que eles indiretamente contribuem com o material.
Émerson – Há algum projeto em andamento a ser lançado?
Luciano: Já lançamos o volume 1 com o primeiro ano do Mistiras e nada mais óbvio do que lançarmos o segundo. Em breve.
Émerson – E o Patreon? O que acham dessa ferramenta e qual é o retorno que ele está dando a vocês em novas tiras?
Ary: O Patreon é a ferramenta mais completa de financiamento coletivo existente hoje. Ao invés de se investir em um projeto único, há a possibilidade de se investir de forma vitalícia no artista, para que ele viva daquilo que ama. Ainda temos poucos apoiadores por ser um negócio novo, mas eles contribuem em um grupo exclusivo no Facebook da Sociedade Secreta do Mistiras: lá eles trocam ideias, nos dizem o que gostariam de ver e, mais importante que isso tem acesso a Mistira semanal antes do que o público. Além disso, todo mês concorrem a prêmios, como se tornarem personagens nas Mistiras e material inédito.
Quanto mais apoiadores tivermos, mais poderemos investir em conteúdo novo, como mais tiras inéditas por semana, por exemplo.
* Mais informações sobre como apoiar o Patreon do Mistiras em: https://www.patreon.com/user?u=354024&ty=a *
Para terminar, quero dizer que sou fã do Ary e do Luciano e, claro, do site.
Agradeço por concederem a entrevista, parabenizando-os pelo maravilhoso trabalho e desejando ainda mais sucesso.
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