Birdman PosterAlejandro González Iñárritu tem a pontaria de poucos. Dono de uma excelente filmografia, o diretor e roteirista sempre arrisca diferentes meios de contar uma história que fazem seus filmes se destacarem com muitos méritos. Se em filmes escritos por Guillermo Arriaga como Babel, 21 Gramas e Amores Brutos ele tinha nas mãos histórias fragmentadas, em Birdman ele planeja o longa como se fosse uma única sequência na maior parte do tempo de tela, recurso que é um dos pontos fortes do filme, sobre o qual falo mais adiante.

Riggan (Keaton) é um artista em declínio que tenta uma última chance de voltar à nata da indústria do entretenimento. Ex-astro de uma superprodução de um super-herói (Birdman), Riggan está a dias da estreia de uma peça de teatro, quando enfrenta problemas com elenco, com a família e, claro, com a própria expectativa da crítica e do público. Ao longo da história acompanhamos tramas secundárias dos outros personagens diretamente ligados ao protagonistas, especialmente Sam (Emma Stone), Mike (Edward Norton), Leslie (Naomi Watts) e Laura (Andrea Riseborough), mas me limito a não revelar seus papéis para não comprometer a experiência do espectador, apenas destaco que há momentos que funcionam como monólogos impecáveis.

Digo isso porque o roteiro vai abrir e fechar os arcos dramáticos de cada personagem em um tiro só, já que Iñárritu pensou no filme como um plano sequência único (obviamente há cortes, mas ainda sim são pensados para compor a sequência), tirando o epílogo fabuloso digno dos três atos do longa. Ou seja, sempre com a câmera em movimento seguindo os personagens durante constantes momentos de estresse, o diretor sempre vai saltar de uma cena para a outra usando o encontro de personagens em um loop genial.

É a partir dessa decisão do diretor que todos os demais desafios são lançados. Assim, podemos destacar a cinematografia e a direção de arte bastante competentes ao recriar os bastidores e arredores do teatro (bem como o palco para os ensaios e a peça) onde haverá movimentos de câmera contínuos. Da mesma forma, a preparação dos atores principais e figurinistas depende de uma concentração máxima, já que qualquer erro prejudicaria a mise-en-scène nas cenas – e está impecável. Todo o texto respeita a dinâmica do teatro e muitas vezes os diálogos da peça ensaiada se confundem com a realidade dos personagens, algo visto recentemente em Acima das Nuvens, que, no caso de Birdman, ajusta o tom das críticas que Iñárritu quer fazer ao próprio mundo do entretenimento.

birdman

Certeiro, o diretor dispara frases como “Você não é importante, acostume-se com isso” ou “Você é uma celebridade, não um ator” para acentuar as críticas. E não se limita a isso. Vídeos de anônimos em situações absurdas que viram sucesso imediato nas redes sociais fazem um triste contraste com a relação de consumo entre pessoas e arte, visto que cada vez menos temos um público que aprecia uma obra e menos público ainda disposto a pagar por elas. Consciente disso, o diretor acerta a dose ao incluir nessa relação a coexistência do artista com a força da publicidade e da crítica. E, outro acerto, não se esquece de atacá-los também.

Referências à história do cinema e citações de celebridades funcionam bem como piadas internas, todas funcionam e divertem, além de trazer verossimilhança à história do super-herói Birdman, por mais estranho que isso possa parecer – afinal, Birdman é uma referência aos dois filmes do Batman que Keaton interpretou em torno dos anos noventa. Além dessas referências, a presença de uma enorme publicidade da peça O Fantasma da Ópera em frente ao teatro mostra como algumas obras são atemporais e, nesse caso, parece engolir as expectativas de Riggan, cujo passado parece importar ao público muito mais do que o presente.

O que me leva ao desenvolvimento de Riggan. Ele mesmo vive à sombra do personagem que viveu vinte e tantos anos antes. Iñárritu deixa isso claro no primeiro movimento de câmera que revela o super-herói em um poster às costas de Keaton, nos momentos em que usa poderes especiais e nas constantes inserções subjetivas nas cenas do protagonista até que finalmente é revelado o que acontece com seu personagem. O desenho de som do longa é fundamental para essa construção minuciosa. Vale notar, principalmente, o jazz em solos de bateria e um tic-tac que surgem em momentos cruciais da narrativa.

É um grande filme. É a arte usada para debater sua própria função e existência. É um olhar muito próximo de um ser humano que provou da fama e que foi deixado de lado porque o público deseja consumir outras coisas. É o estudo de um personagem disposto a qualquer coisa para poder voltar ao topo da carreira, mas que ainda insiste em fazê-lo através da arte pura, crua, com puro talento e longe das produções cheias de explosões (que ali estão como projeções da natureza doentia do personagem) e cortes rápidos (o filme praticamente uma sequência só, lembra?). Enfim, é sobre um ator que decide fazer tudo isso no palco de um teatro, ao vivo, sem segunda chance. E não é que Iñárrito faz tudo isso com a câmera na mão?

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Escritor e Crítico Cinematográfico, membro da Associação Paulista de Críticos de Arte e da Sociedade Brasileira de Blogueiros Cinéfilos.

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